Crítica


5

Leitores


2 votos 6

Onde Assistir

Sinopse

Após fugir do cativeiro, onde foi mantido quando sequestrado, Jesse Pinkman inicia uma jornada em busca da própria liberdade, mas antes precisa se reconciliar com o passado para, só então, ter seu futuro garantido.

Crítica

“Mas o que acontece depois do final?”. A cada coletiva de imprensa, organizada para diretores e atores falarem sobre um filme ou série em particular, algum jornalista ingênuo (que se considera muito esperto) lança esta pergunta. “Eu sei que a história acaba aí, mas eles vão viver felizes para sempre? A polícia vai alcançá-la? O vilão estava morto de verdade?”. A resposta sempre traz alguma variação de “Quisemos deixar a interpretação aberta ao público, a intenção era deixar todas essas leituras possíveis”, ao que o jornalista se dá por satisfeito. O raciocínio é óbvio: toda história termina em algum lugar. Finais abertos também representam uma escolha de final, e mesmo a ausência do fim (vide livros inacabados como “O Castelo”, de Franz Kafka) torna-se, voluntariamente ou não, o final da obra.

Com o lançamento de El Camino: A Breaking Bad Film, o jornalista ingênuo ganha enfim a sua resposta – elaborada pelo criador original da série, Vince Gilligan, e produzido pela Netflix, ou seja, da maneira mais oficial e dispendiosa possível. Em Breaking Bad, a série, Walter White (Bryan Cranston) ganhava um final definitivo; mas Jesse Pinkman (Aaron Paul), não. A intenção era deixar em aberto os caminhos que o jovem seguiria depois da icônica cena de conclusão. Agora, o filme retoma exatamente de onde o material original tinha parado, literalmente um segundo após, o que implica na recriação dos minutos finais. Por mais lógica que pareça, esta escolha produz um conflito curioso com a série, uma vez que o final original deixa de funcionar como epílogo, tornando-se um penúltimo capítulo. O filme de 2019 não apenas continua a história, mas modifica a estrutura da série que havia sido concluída – e muito bem concluída, diga-se de passagem – seis anos atrás.

Esta transformação decorre da opção de situar a nova trama em duas temporalidades paralelas: os instantes imediatamente após a conclusão, e o futuro de anos mais tarde, tratando de avançar esta primeira parte até alcançar a segunda. Propõe-se, então, um destino para Jesse Pinkman: como ele teria fugido? Ele foi preso pela polícia? Continuou no mundo das drogas? Enriqueceu, ou ainda teve dificuldades financeiras? Conseguiu contornar os problemas amorosos? Reatou com a família? A resposta a todas essas questões aparece ao longo de mais de duas horas, em que a narrativa toma seu tempo para apresentar um personagem traumatizado, melancólico e intempestivo. Aaron Paul reprisa o co-protagonista da série com desenvoltura, fazendo tanto referências à juventude inconsequente de Jesse quanto propondo uma evolução emocional anos mais tarde.

No entanto, o filme se limita a criar novas cenas no passado (instantes que não teríamos visto na série) capazes de justificar consequências futuras. O mecanismo de resgate se justifica pela intenção de trazer de volta personagens queridos (e atores excelentes), mesmo que em participações minúsculas. Para além da evidente vocação comercial e nostálgica deste produto derivado – seguindo o raciocínio de que o público gosta de Jesse e dos outros personagens, então quanto mais histórias sobre eles, melhor – o conceito por trás de El Camino seria de natureza retórica: o projeto possui valor pelo simples fato de existir. Ele rompeu sua própria narrativa para propor algo além do final, como uma curiosidade, uma traquinagem – um extra do DVD, ou um compêndio de “cenas deletadas” que, enquanto tais, não fazem falta à versão final. Cada espectador que um dia se perguntou “E se Jesse Pinkman tivesse feito...”, a resposta deve surgir neste projeto. O simples fato de resgatar a marca Breaking Bad, evocando personagens, passagens importantes, o famoso “Yeah, bitch!” de Jesse, a metanfetamina azul e a relação com Walt constitui um objetivo em si.

Por isso, pouco importa se o roteiro avança consideravelmente a trajetória de Jesse para justificar este extenso projeto de vaidade. A resposta seria não: descobrimos apenas o necessário para interromper uma sensação de urgência. Após El Camino, Jesse Pinkman não estará mais correndo, tendo encontrado alguma forma de paz interior. Ele relembrará de cada uma de suas dores do passado para ser capaz de seguir em frente. Talvez daí surja a impressão de um filme terapêutico, um acerto de contas simbólico permitindo ao jovem se emancipar da experiência com Walt. O filme pode não possuir qualquer forma de autonomia – ele depende integralmente do conhecimento prévio da série, de modo que a Netlix propõe uma recapitulação no início desta trama – porém o roteiro busca libertar o antigo traficante de seus traumas profundos e da dependência, enquanto personagem, do protagonista Walter.

“Mas o que acontece depois de El Camino?”, poderiam perguntar alguns espectadores e jornalistas. Seguindo esta lógica comercial e fantasista, nenhuma trama possui um final absoluto. El Camino poderia ganhar uma sequência, novas cenas que não vimos na série, e nem no filme. Aaron Paul poderia ganhar o seu próprio spin-off, a exemplo de Better Call Saul. “Isso é desnecessário”, apontarão alguns, tanto sobre El Camino quanto sobre as hipóteses estapafúrdias acima. Ora, qual filme é necessário? Qual filme precisa existir, senão... senão o quê, mesmo? Na época em que nenhuma franquia termina de fato, podendo ser esticada, retomada, recomeçada, não é de se surpreender que uma das melhores séries de todos os tempos tenha ganhado mais um produto derivado, com direito a boa produção, atores empenhados e lançamento de destaque. O show precisa continuar.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *