Crítica
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Sinopse
Crítica
Desde as primeiras imagens de El Mar La Mar dá para notar que os cineastas Joshua Bonnetta e J. P. Sniadecki, também responsáveis por fotografia, montagem e som, não são afeitos à concretude, às definições peremptórias. A construção de sentidos, então, surge como o objetivo a ser atingido, num itinerário que flerta constantemente com a arte abstrata. Sem personagens reconhecíveis, o filme nos arremessa em segmentos puramente sensoriais. Juntando as peças, é possível entender que há uma vontade, não de entender, mas de discutir profundamente a relação entre norte-americanos e mexicanos, vizinhos tornados muitas vezes inimigos por conta de políticas que criam antagonismos, geralmente em virtude de interesses escusos. A própria fronteira, nunca esquadrinhada literalmente como tal, surge como um considerável espaço simbólico. Aqui não há exposições, explicações, mas tentativas de provocar sensações.
A câmera passeia por paisagens ora ensolaradas, ora escuras ao ponto de distinguirmos apenas pequenos feixes de luz. A morfologia da imagem é um dos atributos principais de El Mar La Mar, haja vista a propensão aos planos longos, senão estáticos, mas flagrantemente dispostos a estudar contornos, cores e afins. O tempo que demoramos em certos enquadramentos permite discernir melhor as formas, perceber características escondidas dos olhares mais apressados. Os realizadores instigam a nossa imaginação, escurecendo completamente a tela, nos negando o que ver, enquanto homens e mulheres contam casos verídicos de corpos encontrados no deserto, entre outras desgraças. O ritmo é lento, apropriado à contemplação, à reorganização dos fragmentos de acordo com a apreensão do espectador, pois a montagem não impõe uma lógica estaque.
No que tange à alusão da complicada relação fronteiriça México/Estados Unidos, Joshua Bonnetta, J. P. Sniadecki não se valem apenas das verbalizações para substanciá-la, pois imprimem em cada imagem capturada em 16mm esse conflito, então um fantasma sempre presente, tornado praticamente palpável. Determinados testemunhos, seja de cidadãos estadunidenses estupefatos com a desumanidade ou de mexicanos ameaçados de morte pelo deserto escaldante pelo qual entraram na terra do Tio Sam, auxiliam no processo de instauração desse caráter motriz. O que mais chama a atenção aqui é a coragem de criar um filme desvinculado de facilidades, que exige da plateia doação e capacidade acurada de observação, sem as quais dificilmente mostra sua relevância, seja como exercício de cinema ou estudo poético de uma conjuntura social complexa. Sem nossa cumplicidade, ele não vinga.
El Mar La Mar não é uma realização fácil de acompanhar sem desgastes, inclusive físicos. A duração extensa das tomadas, o desvio completo de percursos mais naturalmente identificáveis, por exemplo, tornam a experiência algo cansativa, pois morosa. Todavia, uma vez mergulhados na associação habilidosa de sons e imagens, na tessitura incomum de uma narrativa ancorada tanto na forma quanto no conteúdo, somos altamente recompensados. As investigações literal e metafórica das geografias, em paralelo com a similar cujos focos são os agentes que encontram ressignificação no sofrimento intrínseco à travessia ilegal das fronteiras, se dão num campo reverente ao cinema enquanto ferramenta e linguagem. Transpostos os eventuais obstáculos decorrentes do radicalismo da proposta, tem-se um longa-metragem que utiliza seus conceitos em prol do lirismo proveniente das perscrutações.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 7 |
Francisco Carbone | 9 |
MÉDIA | 8 |
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