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Sinopse

Patrulheiro com a função de proteger os animais da floresta, Guzmán vê reacendida uma velha rivalidade ao se deparar com o caçador ilegal Venneck em meio ao aparecimento de um jaguar mítico.

Crítica

Logo nas primeiras cenas de El Silencio del Cazador, longa argentino escolhido para abrir a mostra competitiva de filmes estrangeiros do 48o Festival de Cinema de Gramado, uma dualidade que percorre toda a trama conduzida pelo diretor Martín De Salvo se estabelece. De um lado está Ismael (Pablo Echarri, o melhor do elenco), guarda-florestal encarregado de cuidar de um dos maiores parques florestais do país. Do outro, o espectador encontra Polaco (Alberto Ammann), pecuarista e filho de um dos maiores e mais importantes latifundiários da região. Um tenta impor a lei, o outro se considera acima dela. E por mais que haja muito a se analisar a respeito desses dois extremos, é com pesar que se percebe esse debate ficar reduzido a uma briga de galos, recaindo a estereótipos pouco relevantes dentro do contexto e que quase nada contribuem no olhar proposto.

Há de se ter em mente que, apesar de não ser novato, De Salvo também está longe de ser um cineasta reconhecido, seja no seu país de origem, e menos ainda no exterior. Tanto é que seu trabalho mais popular até o momento era a condução de alguns episódios de Amas de Casa Desesperadas (2007) – versão portenha da série norte-americana Desperate Housewives (2004-2012) – e também da brasileira Donas de Casa Desesperadas (2007) – outra releitura do mesmo programa. Atuante também como produtor e como roteirista – funções que, no entanto, não desempenha em El Silencio del Cazador – foi premiado pelos críticos argentinos por seu longa de estreia (Las Mantenidas sin Sueños, 2005) e tem passagens por festivais de destaque, como Cartagena, Málaga e Roterdã. Apesar do tom familiar empreendido em suas obras anteriores, dessa vez opta por se concentrar no embate entre esses dois homens, ampliando o espectro do discurso, ao mesmo tempo em que se esforça em manter íntimo e confronto entre eles. Duas frentes que nem sempre conseguem dialogar entre si com efeito.

Ismael é forte, correto e se guia pelo que está no papel. É sabido, no entanto, que às vezes se faz necessário escrever certo por linhas tortas, mas isso não parece ser uma responsabilidade dele, pois se interessa apenas em fazer o que é dito, doa a quem doer, enfrente quem se veja obrigado a enfrentar. Aqueles ao seu redor, porém, nem sempre pensam – e agem – da mesma forma. O tão combatido “jeitinho brasileiro” também de funcionar na Argentina, pelo que se pode depreender. Uma combinação aqui, um dinheiro passado por baixo dos panos ali, um conchavo acolá e todo mundo fica feliz no final se, no durante, optar para olhar para o lado num momento ou noutro. Exatamente o que Ismael não aceita. Uma postura que ninguém ousaria contestar em público, mas que nos bastidores se mostra sem volta para a danação.

Alguns o conhecem por Orlando, seu nome de batismo, mas a maioria o chama mesmo de Polaco, o apelido que vem desde os tempos de criança. Mas o que importa, no final das contas, é o sobrenome que carrega: Venneck, capaz de abrir portas e eliminar culpas. Não apenas as de relacionamento, mas também as factuais. Nem mesmo a prisão é capaz de segurá-lo diante da quantia certa a ser paga. Polaco acredita que tudo ao seu alcance lhe pertence – terras, animais, pessoas – e não mede consequências para obter o que deseja. Sejam os bichos selvagens que deveriam ser preservados, os serviçais que não são respeitados ou mesmo a mulher que, tanto tempo trás, optou por deixá-lo. Claro que isso tudo se mostra ainda pior por ela tê-lo trocado por Ismael.

Em certo momento do filme, caçadores brasileiros se aventuram pelas mesmas matas, mas logo são identificados e postos a correr. A razão da empreitada não ter funcionado? Terem vindo acompanhado por cachorros que, com seus latidos, anunciavam suas presenças. “É preciso estar quieto, quase invisível, para que a presa não o perceba”, um dos veteranos alerta. El Silencio del Cazador tem a partir desse contexto muitas possibilidades interessantes a percorrer, caso trilhasse o caminho inevitável entre os dois protagonistas e o duelo final que encerraria suas desavenças, para o bem ou para o mal. No entanto, ao reduzir essas diferenças e uma desfeita amorosa, a trama não apenas perde sua força, como também se vê reduzida a um clichê já muito visitado. Não contribui também a atuação exagerada de Ammann e a câmera nervosa que De Salvo faz uso, que ao invés de inserir o público no conflito, termina por afastá-lo dessas consequências. Os elementos estão todos em cena. Faltou apenas um mão segura que conseguisse dispor dos mesmos na medida certa.

Filme visto online no 48º Festival Internacional de Cinema de Gramado, em setembro de 2020.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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