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Sinopse

Theodore é um escritor solitário que acaba de comprar um novo sistema operacional para seu computador. Para a sua surpresa, ele acaba se apaixonando pela voz deste programa informático, dando início a uma relação amorosa entre ambos.

Crítica

Quem conhece o cineasta norte-americano Spike Jonze sabe que o óbvio, o clichê passam a quilômetros de distância de suas obras. Basta lembrar de Quero Ser John Malkovich (1999), Adaptação (2002) e, porque não dizer, a aventura infantil Onde Vivem os Monstros (2009) para enxergar um diretor arrojado, perspicaz e sempre com personagens curiosíssimos protagonizando seus filmes. Ela talvez seja o suprassumo de sua obra. O ápice. Desta vez, no roteiro, Jonze não utiliza a verve excêntrica de Charlie Kaufman ou o lirismo da obra de Maurice Sendak. O texto é de sua autoria, um roteiro que nos transporta para um futuro completamente verossímil, nos apresentando a um sujeito e a uma mulher que nos soam sempre reais – ainda que um deles, talvez, não seja tanto assim. Ou, será que é?

Na trama, em um futuro não tão distante, Joaquin Phoenix vive Theodore Twombly, um profissional na arte de escrever cartas à mão no computador (soa estranho, mas faz todo o sentido). Seu trabalho transborda paixão, com belas missivas sendo enviadas para casais longevos, pais e filhos, avós e seus netos, etc. O problema é que Theo está terminando um processo de divórcio e a solidão é uma companheira frequente em sua vida. Começa a afetar seu trabalho. As memórias com sua ex-esposa Catherine (Rooney Mara) o assombram. Quando surge um novo Sistema Operacional (OS1) que promete ser revolucionário, com uma inteligência artificial conversando diretamente com o usuário, Theo se empolga e logo adquire o programa. É assim que surge Samantha (voz de Scarlett Johansson), um OS longe de ser a robótica Siri, que se comunica de forma espontânea com seu interlocutor. Conversa vai e conversa vem, Theo e Samantha começam a se afeiçoar, notando diversas particularidades em comum. Mas é possível se apaixonar por um programa de computador? Ou melhor, um sistema operacional é capaz de entender e sentir emoções humanas? Como proceder em um relacionamento em que não existe possibilidade de encontro de fato, no qual um dos lados nem corpo tem? São várias as questões, respondidas habilmente por Spike Jonze nos 126 minutos deste apaixonante filme.

São vários os acertos na construção da história. Em primeiro lugar, o futuro. É interessante assistir a um longa-metragem que não nos coloca em um lugar distópico, pós-apocalíptico. O futuro de Ela parece ser uma evolução lógica dos nossos dias. Arranha-céus imensos, tecnologia sempre presente, humanos cada vez mais voltados para experiências digitais. Note que em diversos momentos vemos pessoas conversando “sozinhas”, com seus aparelhos, em vez de travar um diálogo com alguém que está ao seu lado. Não está tão longe do hoje, quando vemos mais e mais cabeças grudadas em seus smartphones. Ao criar um ambiente de fácil compreensão, mas obviamente futurista, Spike Jonze acerta em cheio. O trabalho da direção de arte capricha ao criar cenários clean, enquanto os figurinos dão dicas de como poderia ser a moda no futuro: calças masculinas com cós gigantesco e camisas coloridas. E, como Joaquin Phoenix não esconde, o bigode é uma tendência.

O ator, inclusive, tem um trabalho difícil em Ela. A câmera está sempre nele, nos mostrando suas emoções, seu senso de deslocamento, sua solidão. Ainda que possamos ouvir a voz de Samantha, nunca a vemos. Portanto, cabe a Phoenix nos acompanhar por toda a trama. E sua performance é uma entrega. Para o público ficar engajado naquela história de amor surreal, é importante acreditar. E Joaquin Phoenix nos ajuda neste movimento. Conseguimos observar em cada nuance, cada novo diálogo, a paixão brotando entre aquele homem e aquele programa. Não acontece de imediato. Mas quando o sentimento aflora, entendemos o porquê. Isso também por causa do incrível trabalho de Scarlett Johansson como Samantha. Sua performance é apaixonante como o sistema operacional que se comunica de forma tão vivaz com seu “dono”, depois amigo, depois namorado. A atriz é conhecida pela beleza, mas não tanto por seu talento dramático. Aqui, despida do corpo, Johansson consegue transmitir as emoções de seu personagem de forma indelével, num trabalho vocal digno de prêmios.

Chegamos então em uma das perguntas citadas acima: é possível um sistema operacional experimentar emoções humanas? No que tange Samantha, aparentemente sim. Aquela inteligência artificial aprende com humanos, evolui ao passo que tem contato conosco. Logo, ao encontrar um sujeito que tem uma lacuna tão grande em seu peito, Samantha aprende a emoção e passa a amá-lo. É interessante que o roteiro não explicita se aquele sentimento é real. E não importa. Como Samantha mimetiza o ser humano (inclusive falando de forma ofegante em alguns momentos, como se respirasse) ela pode acreditar que está amando Theo, ainda que seja apenas uma forma do programa responder àqueles estímulos. Mas no que toca o casal, o amor é real. Existe a cumplicidade, o carinho. É uma relação difícil. O OS é tão próximo do humano que comete erros de julgamento. Tenta responder a sua ausência de corpo com um plano fadado ao fracasso. O desfecho desta relação foge completamente dos clichês. Quando você imagina que algo vai acontecer, a curiosidade de um dos personagens se aflora, demonstrando uma evolução lógica, porém devastadora para um dos lados.

O elenco de apoio traz nomes interessantes como Amy Adams, Chris Pratt, Olivia Wilde e Rooney Mara, todos com boas performances, mas nenhum com tempo suficiente para roubar a cena do casal principal. Spike Jonze participa como a voz de um desbocado alien, personagem do game que Theo joga. Ela ainda conta com uma rápida participação de Brian Cox, como um personagem surpresa que transforma a trama. Com a trilha sonora contagiante de Win Butler (da banda canadense Arcade Fire) e Owen Pallett, e bela canção de Karen O, The Moon Song, Ela é uma história de amor cativante, com momentos sublimes de melancolia, humor e paixão. Theo e Samantha são os namorados menos óbvios, o casal mais inesperado do cinema. E, talvez por isso, sua jornada seja tão bela.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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