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Sinopse

Em fevereiro de 2011, a mãe do diretor Cristiano Burlan foi assassinada em Uberlândia pelo parceiro. Isabel Burlan da Silva teve sua trajetória marcada pela violência e pela pobreza, assim como todo o resto da família. Este é o terceiro filme da série "Trilogia do Luto", os anteriores abordavam a morte do pai e do irmão de Burlan. Aqui, ele busca reconstruir a imagem e a vida da mãe.

Crítica

Elegia(s.f.): 1. Lit. poema composto de versos hexâmetros e pentâmetros alternados; 2. Lit. Poema lírico em tom geralmente terno ou triste.

Esta é a definição do dicionário. Ou seja, é um termo nascido na literatura, e voltado particularmente às poesias, normalmente de natureza melancólica ou complacente, geralmente composta para funerais ou como um lamento de morte. E é o que encontramos em Elegia de um Crime, capítulo final da Trilogia do Luto do diretor Cristiano Burlan. Após investigar as circunstâncias suspeitas que levaram à morte do pai no média-metragem Construção (2007) e reconstruir as condições a respeito da morte do irmão Rafael em Mataram Meu Irmão (2013), ele agora se debruça sobre o violento assassinato da mãe, Isabel Burlan. Como se percebe, não é pouco. E o que temos é um filme que faz jus a esse sofrimento, ainda que por mais de um momento se demonstre indeciso sobre qual caminho seguir.

Aliás, não parece nem ser uma questão de indecisão e, sim, de almejar muito quando, com menos, o resultado talvez fosse mais conciso e direto. Após uma sequência muito bonita, durante a qual atravessamos um túnel verde (seria o da RS 040, no Rio Grande do Sul, à caminho do litoral norte do estado?), em que o diretor, em off, divaga sobre as situações que o conduziram até a inevitável realização deste filme, somos confrontados com o próprio no telefone, em uma ligação a uma delegacia de polícia. Ele está fazendo uma denúncia, alegando saber o paradeiro do homem acusado de ter matado sua mãe – sobre quem, aliás, há até um mandato de prisão já expedido. O policial que o atende, como parece ser a praxe neste país, demonstra estar mais interessado em minúcias e demais burocracias do que em partir para uma ação efetiva. Tanto que, no final das contas, Burlan termina por desligar, visivelmente desanimado.

A partir desse ponto, ele desenvolve seu filme como um acerto de contas, quase um rito de passagem. Fica claro o quanto o assunto lhe é difícil, e, mesmo tendo ocorrido em 2011, o cineasta ainda não consegue lidar com a questão de uma maneira tranquila. “Se meu pai estivesse vivo, ou o Rafa, eles não teriam aceitado a sua morte. Eles já teriam partido para a vingança. Eu não sei fazer isso. Tudo o que sei é cinema. E é por isso que faço esse filme”, diz a certo momento. Elegia de um Crime, portanto, revela-se mais um movimento de expurgação, de superação, algo voltado a ele próprio, do que a qualquer outro envolvido. É uma questão muito pessoal que está sendo debatida, entre mãe e filho. Nós, os espectadores, somos apenas convidados a observar, passando pelo mesmo incômodo, ainda que só por alguns instantes, que ele carrega todos os dias. Ele e os seus.

Sim, pois Cristiano não está sozinho. E é disso que se ocupa a maior parte do filme. Ele ainda tem outros três irmãos – uma irmã, que mora na mesma cidade onde a mãe foi morta, no interior de Minas Gerais – e dois irmãos. Estes estão, ou já estiveram, ambos, envolvidos com atividades criminosas. Um ficou preso por um ano, o outro teve três passagens pela prisão – e, como somos informados, voltou para trás das grades logo após ter gravado seu depoimento. Indo de São Paulo ao Rio Grande do Sul, lugares por onde a família viveu e se estabeleceu, o diretor reconstrói esses caminhos, numa esperança, talvez, ao ouvir tios, primos e demais parentes, de conseguir a si mesmo encontrar. Afinal, foram destes que ele veio – ainda que essa não seja, necessariamente, a verdade (como ficamos sabendo, em uma das reviravoltas mais perturbadoras da trama).

No entanto, no momento em que começamos a suspeitar que talvez Burlan tenha, enfim, aceitado essa sua volta à condição de órfão, seu filme sofre outra mudança de rumo. Ao conversar com a repórter que teria noticiado a morte da mãe, descobre que ela não só continua trabalhando na região, como conhece todos os policiais das redondezas e, talvez, possa ajudá-lo a, finalmente, encontrar o assassino e obrigá-lo a assumir a responsabilidade dos seus atos diante da Justiça. Elegia de um Crime, nesse momento, vira um thriller policial, revirando pistas, indo atrás de testemunhas e de qualquer indício que possa apontar para o paradeiro do ex-companheiro de Isabel, que a matou asfixiada, enquanto dormia. O movimento, mesmo que renove o interesse da audiência, soa também como um recomeço. Porém, por outro lado, aponta para um beco sem saída, que não chega a ser plenamente explorado. Tivesse ficado restrito ao registro emocional, é provável que o resultado fosse de maior impacto. Porém, em nada retira a relevância deste um retrato forte e repleto de dor, imprescindível tanto ao realizador quanto aos apreciadores do bom cinema.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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