Crítica

Alexander Payne esteve sob os holofotes recentemente com seu último e excelente filme, o indicado ao Oscar Nebraska (2013). Mas quem conhece de perto a filmografia do diretor sabe que não é a primeira vez que ele visita o bucólico estado americano: em 1999, Payne conquistaria sua primeira indicação ao prêmio máximo do cinema norte-americano por Eleição, filme que se passa em Omaha, justamente em Nebraska.

O longa nos apresenta, de forma bastante didática – nada mais apropriado para uma trama que tem uma escola como principal cenário – Tracy Flick (uma jovem e artisticamente peralta Reese Witherspoon). Criada para ser prodígio, a garota sonha em se tornar presidente do Grêmio Estudantil, proeza que vale pontos para ser selecionada pelas melhores universidades americanas. Ela é aluna de Jim McAllister (Matthew Broderick, com o timing cômico sempre afiado), professor de "moral e cívica" que vê nas ambições desmedidas da garota um motivo para ensiná-la uma lição e brecar seus desvarios.

É claro que por trás de tudo isso existe uma arguta crítica ao sistema eleitoral americano e, por consequência, ao aparato democrático de forma geral. O fato de que todos os personagens envolvidos com a esfera pública têm uma motivação prioritariamente individual é flagrante. Além disso, fica claro que o sistema acaba sendo burlado por qualquer pessoa que tenha poder para isso e acredite que possa fazê-lo por um "bem maior" – julgamento um tanto subjetivo. Nesse sentido, é especialmente irônico que Eleição comece versando sobre a diferença entre ética e moral.

Em termos estéticos, é curioso notar como o estilo escolhido por Payne para decupar seu longa é muito diferente do de hoje, mais maduro. Embora bem vindos e utilizados de forma integrada ao roteiro, recursos como o congelamento da imagem, o voice-over e a organização da história em pontos de vista soa menos autoral do que a direção discreta e contemplativa que, hoje em dia, é marca registrada do cineasta. Algo, é preciso apontar, a princípio inesperado. A comicidade baseada em "gags" e situações absurdas também foi substituída por uma mais sóbria e que traz muito de trágico. Portanto, a Nebraska de antigamente é muito mais caricata que a atual na obra do diretor.

Mas isso não é um demérito: Eleição se dá muito bem nesta atmosfera mais "poluída". A começar pelo fato de que Broderick traz consigo o fardo de ter sido Ferris, seu inesquecível personagem de Curtindo a Vida Adoidado (1986). Embora agora ele seja professor (e não aluno), é difícil desvinculá-lo do célebre protagonista. Nesse sentido, Payne faz um bom trabalho em aproveitar seu talento para comédia física e o fato de ele ter envelhecido para criar situações que inclusive dialogam com aquelas do filme anterior.

O fato dos personagens narrarem em voice-over seus pontos de vista também contribui para criar diversas realidades, que o diretor constrói de forma hábil. É possível inclusive duvidar de alguns fatos, que só aparecem como tal quando observados por determinadas perspectivas – por exemplo, quando McAllister conta a história de um caso que Tracy, sua aluna, teria tido com um outro professor, ele pinta a garota como uma verdadeira destruidora de lares, fato não corroborado pelas imagens exibidas. Assim, se por um lado esse recurso faz lembrar Martin Scorsese, por outro se desvia da intensidade dramática para servir de artifício cômico.

Tudo isso leva a um clímax que, em termos de montagem, é uma das sequências mais interessantes do cinema recente. Usando cortes secos e aceleração do tempo de exibição de cada frame, Payne e seu montador, Kevin Tent, criam uma cena em que a tensão escala na mesma medida em que a comicidade. Uma verdadeira tacada de mestre.

A construção dos personagens também é um ponto forte do roteiro (adaptado por Alexander Payne e Jim Taylor, a partir do livro de Tom Perrotta). Tracy tem uma mãe que pede conselhos de como criar a filha a figuras como Connie Chung, uma espécie de Fátima Bernardes americana. Paul Metzler, adversário político de Tracy (interpretado por Chris Klein, o brutamontes de açúcar), é uma adorável paródia do americano popular e bobão. McAllister, por sua vez, é qualquer coisa entre o perverso e o inocente, um verdadeiro Cândido de Molière, se este tivesse lido Maquiavel. Juntos, compõem um grupo de arquétipos que representa não apenas a sociedade americana, mas pode ser usado para entender a própria natureza humana.

Menos comentado e apreciado do que deveria, Eleição é um filme interessante e divertido que merece ser visto e revisto, seja pelo que ensina sobre cinema, seja pelo que ensina sobre política. Quanto ao cinema, dá pra aprender bastante sobre roteiro, montagem e direção. Quanto à política, você talvez aprenda a se envolver o mínimo necessário para não acabar como alguns personagens. Ou não.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é jornalista, mestre em Estética, Redes e Tecnocultura e otaku de cinema. Deu um jeito de levar o audiovisual para a Comunicação Interna, sua ocupação principal, e se diverte enquanto apresenta a linguagem das telonas para o mundo corporativo. Adora tudo quanto é tipo de filme, mas nem todo tipo de diretor.
avatar

Últimos artigos deDimas Tadeu (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *