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Sinopse

A rotina do ensino médio da Escola Estadual Doutor Alarico da Silveira, localizada no centro de São Paulo, é alterada por conta das eleições do grêmio estudantil que se aproximam. Durante este período, é possível identificar como as consequências do processo eleitoral afetam as relações entre os alunos, assim como as eleições presidenciais, em proporções bem maiores, conseguem alterar a atmosfera de um país.

Crítica

Durante o recente pleito para presidente da república, muito se discutiu acerca do processo democrático e das instâncias que garantem (ou que deveriam garantir, por obrigação) a soberania popular. Em Eleições, a cineasta Alice Riff cria um microcosmo desse panorama complexo e cheio de nuances ao observar a disputa entre quatro chapas bem distintas na eleição para o grêmio estudantil da Escola Estadual Doutor Alarico da Silveira, localizada no centro de São Paulo. A própria heterogeneidade dos postulantes aos cargos é vital ao retrato. Em questão, as reivindicações e os posicionamentos dos alunos diante das dificuldades da instituição carente de infraestrutura. Aliás, a realizadora também consegue, em meio a um percurso aberto à polifonia da juventude inquieta, capturar a sucateamento do sistema de ensino público no Brasil. Ao fundo de conversas ora banais, ora substanciais e acaloradas é possível distinguir rachaduras nas paredes, pinturas descascadas, manchas de mofo, sinais de um descaso com algo que deveria ser basilar para qualquer governo decente.

Não é difícil encontrar paralelos com a realidade no decurso eleitoral agitado da Escola Estadual Doutor Alarico da Silveira. Embora certa ingenuidade perpasse completamente os discursos, há demandas e postulados bastante específicos em jogo, para além do bem comum almejado por todos. A chapa PAS, por exemplo, é formada pelos tidos bagunceiros, com um dos integrantes chegando a dizer publicamente que a motivação inicial para o engajamento na campanha foi a possibilidade de enforcar aulas. A inteligência narrativa reside na subsequente demonstração de simpatia de alguns votantes por essa alienação com ares de irresponsabilidade e molecagem. As meninas do ROSA falam em diversos momentos sobre a questão de gênero, não chegando a se aprofundar nela, mas marcando a concorrência com sua composição totalmente feminina. A Mais Diversidade, como o nome deixa explícito, levanta a bandeira da pluralidade. Por fim, a ID é a que possui o líder mais eloquente, o garoto que parece se empenhar, de fato, a propor novas politicas.

Eleições possui fragilidades, vide as intervenções feitas por duas alunas munidas de câmera. Mesmo que seja válida essa imersão ainda maior no âmago estudantil, com manifestações principalmente de descontração, é de se lamentar que o dispositivo contribua infimamente para o desenho do conjunto, que haja um desperdício patente dessa potencialidade. O longa-metragem ganha força, sobremaneira, quando detido nos debates entre as chapas. Para começo de conversa, é numa dessas circunstâncias que se torna perceptível o despreparo integral, o caráter rasteiro das discussões recheadas de platitudes e lugares-comuns. No registro de ocasiões similares, o recurso ganha pungência, com alunos e seus interlocutores propiciando conversas absolutamente construtivas, que dizem respeito não apenas à realidade da localidade, mas à conjuntura sócio-política brasileira. Sutilmente, Alice Riff vai costurando instâncias para gerar um painel substancial de informações e apontamentos contundentes, como o burburinho em torno da filiação de um grupo ao pensamento cristão.

Outro mérito do filme está na análise da influência direta/indireta dos professores e da direção. Determinados docentes abraçam a causa, esclarecendo conceitos como a laicidade, se encarregando de conferir a devida importância ao processo. Outros, como se vê numa das rodadas de argumentação, vão displicentemente pelo sentido oposto, reduzindo o escopo de abrangência, refutando, por exemplo, a necessidade de mencionar na assembléia a proposta nacional de alteração do currículo do ensino médio, medida que previa a exclusão de matérias fundamentais, como a filosofia, da grade básica. Sem apontar o dedo, a cineasta faz desse abafamento um sintoma da realidade escolar num país em que a educação é destratada. Todavia, para isso Alice não intenta criar vilões, uma vez que a situação macroestrutural é suficientemente acessada para deflagrar uma problemática cujo furo é bem mais embaixo. No fim das contas, o resultado das urnas é o menos importante. Relevante é compreender, no caminho, as minúcias significativas desse pleito amplamente democrático.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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