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Sinopse

Elton John: Never Too Late acompanha o ícone pop na reflexão sobre sua vida e os primeiros anos de sua carreira de mais de meio século. Em paralelo, revela detalhes sobre os bastidores da turnê de despedida Farewell Yellow Brick Road Tour, realizada em 2023. Indicado ao Oscar 2025.

Crítica

Independentemente do nível de admiração do espectador por Elton John, é difícil segurar as lágrimas ao fim de Elton John: Never Too Late, especialmente quando nele o astro chama ao palco o marido e os filhos diante da plateia de seu último show norte-americano. Naquela que seria a sua despedida do público estadunidense, Elton anuncia que está deixando os holofotes para ter mais tempo com a família, para retribuir as declarações de amor das crianças e usufruir mais a presença do companheiro. Ao fundo, aplaudem a cena os músicos da mesma faixa etária do grande cantor/compositor, parceiros de estrada que o acompanham há décadas e com quem Elton também construiu...uma família. O pequeno britânico batizado Reginald Kenneth Dwight, que se lembra precocemente de lidar com a agressividade em casa e a falta de uma sensação de acolhimento doméstica (ao ponto de mudar o próprio nome, como quem troca de pele e deixa o passado doloroso para trás), finalmente conseguiu. Tornou-se um dos artistas mais famosos do mundo, venceu os períodos sombrios em que nem a notoriedade e o sucesso o completavam como ser humano, foi capaz de lidar com seus fantasmas à medida que o tempo passou e agora parece feliz enquanto filosofa sobre morte. É o encerramento lindo para um filme-homenagem.

Elton John: Never Too Late é uma celebração que resume a vida e a obra desse protagonista que deverá constar em qualquer coletânea sobre os grandes (e mais influentes) artistas do século 20. Cinematograficamente falando, o documentário segue mais as tendências jornalísticas com algum teor confessional. Ele mistura uma extensa entrevista concedida por Elton John (da qual ouvimos apenas o áudio) com vasto material de arquivo encarregado de ilustrar visualmente essa passagem a limpo da linha cronológica que vai do nascimento à despedida do público norte-americano. Elton fala abertamente das mágoas guardadas dos pais violentos, eventualmente tocando de novo no assunto quando perguntado sobre a perspectiva da família ao deixar de ser um prodigioso pianista amador para se tornar um dos astros mais populares do mundo. “Ele nunca me viu tocar. Como eu queria que isso fosse diferente”, diz o protagonista quando questionado a respeito da posição do pai enquanto o Rocket Man ascendia rumo às galáxias reservadas aos grandes astronautas. Em tom de despedida se expressa o autor e intérprete de músicas inesquecíveis, célebre pelas roupas e pelos óculos não menos indefectíveis. Como uma síntese da vida regada a extravagâncias, êxito profissional e drogas, o filme é bem-sucedido. Uma pena que para contar a jornada tão extraordinária a linguagem seja um tanto quanto quadrada.

Indicado ao Oscar 2025 de Melhor Documentário, Elton John: Never Too Late progride de maneira conservadora, eventualmente dando pulos temporais, mas nada que crie uma tensão dramática substancial entre passado e presente. Uma vez que os cineastas R.J. Cutler e David Furnish nunca contradizem Elton John ou desviam o roteiro que ele mesmo está impondo com seus relatos em primeira pessoa, o longa-metragem ganha a aura de história oficial. Desse modo, Elton assume o domínio acerca da própria trajetória, ele próprio criando mocinhos, vilões e demais figuras de acordo com uma perspectiva íntima que nunca é contradita ou colocada em crise por opiniões contrárias. O filme realmente não parece muito interessado em investigar as profundezas de um fenômeno ímpar e extrair de suas possíveis incongruências e contradições algo mais complexo. Por exemplo, ninguém aparece para dar versões diferentes a respeito dos relacionamentos amorosos tempestuosos ou mesmo da fase em que a utilização de drogas ilegais passou do limite recreativo e quase levou Elton John a uma tragédia irreparável. Diferentemente de documentários biográficos recentes como Luiz Melodia: No Coração do Brasil (2024), em que as imagens de arquivo falam por si, mas há um olhar diretivo evidente, nesse bom (porém limitado) filme sobre Elton John as imagens são uma coisa meramente ilustrativa.

Dono da própria história, Elton John nos permite conhecer um pouco mais o que ele pensa do sucesso, do fracasso, dos prós e contras de ter se tornado um dos homens mais famosos do mundo. Característico pela energia e extravagância no palco, ele afirma que demorou a assumir sua sexualidade, contrariando o que poderíamos esperar tendo em vista o Elton cantando – autoconfiante, poderoso e invencível. Aliás, essa revelação da dualidade do protagonista é provavelmente o aspecto mais interessante (e pouco explorado) de Elton John: Never Too Late, aquilo que se desprende das limitações impostas por essa natureza oficial. Como é possível um jovem tão explosivo diante de milhares de pessoas ser alguém retraído que frequentemente se entupia de substâncias para conseguir lidar minimamente com a solidão e a falta de liberdade no mundo dos anos 1970, que clamava por transformações comportamentais? Elton John virou um ícone da música, da moda, respeitado em todos os cantos do mundo. E ele nos oferece a oportunidade derradeira de acompanhar os bastidores de um show daqueles que ficam para a História. Por falar na apresentação, ela em si serve somente como cereja do bolo, o “abre torneiras” do relato pessoal embalado por sucessos musicais incontornáveis. Porém, como cinema é mais tradicional do que poderíamos esperar tendo em vista o personagem principal.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Cecilia Barroso
3
MÉDIA
4.5

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