Crítica
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Sinopse
Carlitos tenta a sorte como garimpeiro no ocaso do século 19. Nos cenários gélidos do Alasca, ele conhece um sujeito que cria confusão em meio a uma tempestade de neve e acaba se apaixonando por uma dançarina.
Crítica
Gênios não surgem por acaso. Essa é uma verdade que vale duplamente para Charles Chaplin: sim, ele era um gênio; e não, isso não lhe ocorreu da noite para o dia. Após anos envolvido em curtas-metragens e trabalhando para outros produtores, aos poucos ele foi moldando o personagem que o eternizou: Carlitos. E se esse virou uma figura de fato em O Garoto (1921), o passo seguinte do cineasta – o drama Casamento ou Luxo (1923) – obteve uma reação fria da audiência, muito em parte por ter deixado a figura de fora da trama. Era preciso reconquistar esse público, mas não com mais do mesmo. Verificou-se ser necessário ousar, ir além, apostar em propostas e conceitos novos. E o resultado dessa vontade é Em Busca do Ouro, obra que Chaplin afirmou, muitos anos depois, ser, na opinião dele, a melhor dentre todas de sua filmografia. “É por esse filme que desejo ser lembrando”, chegou a declarar.
E o que há de tão diferente em Em Busca do Ouro, portanto? Para começar, saímos do cenário urbano que caracterizou a grande parte de suas aventuras até então, e vamos para o Alasca. Assim como foi nos anos 1980 no Brasil, um século antes era para a região do Klondike que milhares de homens, atrás de uma melhor sorte na vida, rumaram nos Estados Unidos, a grande maioria sem ter ideia dos perigos e das dificuldades que enfrentariam. Parece, curiosamente, lugar apropriado para um vagabundo sem eira nem beira, por mais anacrônica que sua presença possa parecer. O homenzinho de chapéu coco, bengala de bambu, calças largas, sapatos grandes e casaco apertado logo deixa clara sua total inabilidade para enfrentar os rigores daquele ambiente, se desvencilhando de ursos, nevascas e valentões mais por sorte que capacidade. É o talento de Chaplin, portanto, que se manifesta desde o primeiro instante, fazendo com o que o espectador não só compre a junção desses dois elementos, mas também passe a torcer por eles.
Ainda que composto por esquetes – os homens presos na cabana, a visita ao salão de dança da pequena vila, as garotas brincando com os sentimentos do pobre coitado, e, finalmente, a descoberta do ouro – há um tema maior que percorre toda a trama: a construção da identidade. É importante, neste ponto, ressaltar uma particularidade do trabalho de Chaplin: sua forma de criar baseava-se quase que exclusivamente no instinto, sem se preparar para o que deveria acontecer. Dificilmente ele chegava num set de filmagem com mais que uma ideia e uma câmera. Em Busca do Ouro, no entanto, é um dos seus raros filmes que surgiram a partir de um roteiro. O astro continuava deixando espaço para improvisações, mas sabia exatamente qual caminho percorrer e o que estava prestes a contar. Tanto que, vejam só, esta é uma das suas poucas obras com final feliz.
Talvez nem todos recordem de Em Busca do Ouro da mesma forma que Chaplin gostaria – “é preciso admirar o todo, e não apenas uma ou outra parte isolada”, costumava dizer – mas, indo contra o seu modo de pensar, este certamente é o filme com algumas das imagens mais icônicas de sua carreira. Como esquecer, por exemplo, da bota cozida que serve de jantar para os dois amigos, do esfomeado que passa a ver o colega como uma galinha gigante, do casebre balançando num penhasco e, principalmente, da dança dos pãezinhos na ponta dos garfos? São passagens dignas dos desenhos animados – e isso muito provavelmente porque várias delas foram, de fato, reimaginadas tendo personagens como Pica Pau, Tom & Jerry ou o Pato Donald como protagonistas – mas também pelo fato de Chaplin saber melhor que ninguém o que estava fazendo, ainda que volta e meia provocasse justamente a impressão oposta.
Considerado um dos maiores comediantes de todos os tempos, Charles Chaplin faz Carlitos passar por bons apertos desta vez. Ele escapa das garras de animais selvagens, quase vira comida do seu companheiro de desventuras, é esnobado pela dançarina pela qual se apaixona, e nem vamos falar da sua total falta de sorte para encontrar o sonhado ouro que o motivou a ir até lá. Mas acaba fazendo as amizades certas, e graças a uma personalidade ingênua e digna de confiança, as coisas terminam por funcionar para ele. Inspirado em um caso real de expedicionários que ficaram perdidos na neve e precisaram recorrer ao canibalismo para sobreviver, Chaplin parte do trágico para fazer humor, sem nunca negar o aspecto melancólico de tudo isso. A emoção, assim, é construída desde a primeira cena, com dezenas de homens caminhando em trilha num deserto branco rumo ao desconhecido. E se o beijo final, com a mocinha interpretada por Georgia Hale – que viria a ser sua amante –, foi longo demais e além do planejado, refletindo o momento que os dois estariam vivendo na realidade, é apenas uma dica de tudo que fora visto até então – este é, inquestionavelmente, o mais autobiográfico dos os seus filmes. E, talvez por isso mesmo, assim como ele o concebeu, o melhor de todos.
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P.S.: esta crítica foi feita a partir do Em Busca do Ouro lançado em 1925, totalmente silencioso, com 95 minutos de duração. Em 1942, Charles Chaplin relançou o longa nos cinemas, numa versão reeditada com apenas 69 minutos, sem os cartões de diálogos, com nova trilha sonora – composta pelo próprio cineasta – e com uma narração feita também por ele. O resultado pode ser um pouco mais dinâmico e adaptado para as plateias acostumadas com o cinema falado, e chegou a receber duas indicações ao Oscar – Melhor Trilha Sonora e, ironicamente, Melhor Som – mas não se equipara ao resultado original.
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