Em Nome da América

Crítica

Bancos escolares não costumam ser os melhores lugares para se aprender sobre a própria aldeia. Isso porque, por motivos que vão desde o descaso do governo com a educação até a falta de atualização de professores e material didático, a escola ensina o que está nos livros e não o que realmente aconteceu. Há certo conforto nisso. Não repensar o passado garante tranquilidade e mentes submissas. Uma das múltiplas facetas/missões dos documentários é, justamente, promover essa reflexão a respeito de momentos históricos, buscando mais versões dos acontecimentos e, quem sabe, até dando-lhes a luz que até então nunca tiveram. Em Nome da América, dirigido por Fernando Weller, consegue a proeza de revirar baús e ainda ser criativo formalmente, quase como uma aula de um professor com vocação.

A trama parte de um acontecimento insólito ocorrido nos anos 1960 e 1970, no nordeste do Brasil, período em que alguns grupos de jovens norte-americanos na casa dos 20 anos vieram prestar assistência à comunidade por meio de uma agência governamental chamada Voluntários da Paz. A ideia era melhorar a situação da população de cidades como Timbaúba e Belo Jardim, em Pernambuco, e também em outros estados do Nordeste assolados pela seca e pela falta de recursos mínimos de saneamento e saúde. Grande parte desses jovens escolheram ingressar no Voluntários da Paz para fugir da Guerra do Vietnã e, de certa forma, ir contra o que o governo estadunidense andava valorizando no país inimigo. Garotos e garotas achavam que poderiam mudar o mundo e tornar a vida dos nordestinos um pouco mais digna. Esse é o primeiro dos enganos que guiam a história dos personagens de Em Nome da América.

Weller, claramente influenciado pelo movimento do Cinema Direto, mais observador e focado na fala dos entrevistados, constrói um retrato com várias ilusões. Jovens fugindo da guerra queriam ser unidades de apoio para um grupo muito diferente da sua origem, mas tanto o governo norte-americano quanto o brasileiro estavam interessados em outras questões. A partir de 1964, com o Golpe Civil-Militar, muito se comentou sobre a presença de espiões dentro de pequenas cidades do nordeste em busca de informações sobre organizações políticas contrárias ao governo. Os ianques, apoiadores dos militares, viam na distância da terra natal de sua juventude um alívio às manifestações que queriam o fim do conflito no Vietnã. Em Nome da América tem a cara da mistura ao qual é associado o povo brasileiro. Vemos estrangeiros falando português, alguns quase sem sotaque, e reencontrando pequenos agricultores que fizeram parte de suas vidas como se fossem velhos amigos. É ótimo perceber como os depoimentos e as explicações históricas surgem na tela de forma orgânica e o espectador consegue criar empatia com os entrevistados, cheios de lembranças e, é claro, com perguntas sobre o que realmente fizeram pelo Brasil.

Em Nome da América é um filme necessário para entender que o tempo passou, mas certas coisas continuam inertes na nossa terra. Se hoje há quem defenda o presidente Donald Trump e junte as economias para ter uma “vida melhor” nos Estados Unidos, é porque um dia houve quem vislumbrou a mudança com a chegada de garotos e garotas norte-americanos cheios de boas intenções, mas auxiliados por alguém mais interessado em votos do que em mudar o mundo.

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Bianca Zasso

é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.

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