Crítica

É belga um dos discursos cinematográficos mais contundentes contra a Igreja católica. Impiedoso, alternando leves traços cômicos a uma pesada carga agressiva, Em nome do filho vai da crítica racional à desconstrução passional da instituição religiosa sem medir palavras nem demonstrar culpa. E é exatamente a culpa cristã incutida pela Igreja um dos grandes alvos do filme de Vincent Lannoo.

O foco principal da trama é a homossexualidade e a pedofilia perpetrada por parte do clero, ecoando assim temas polêmicos e escândalos atuais com os quais o Vaticano vem lidando nos últimos anos – com maior ênfase após a eleição do Papa Francisco. No entanto, a morosidade com a qual a Santa Sé se dedica a casos reais passa longe da velocidade vertiginosa com que os fatos ficcionais são encadeados no longa. Na verdade, Em nome do filho busca punir, sem mesmo julgar, os deslizes pecaminosos cometidos por agentes da fé.

A religiosa Elisabeth (Astrid Whettnall), locutora de uma rádio católica e mãe do menino Jean-Charles (Zacharie Chasseriaud), se torna viúva após seu marido morrer com um tiro acidental em um acampamento paramilitar de perfil xenófobo coordenado por um padre dissidente. A morte do homem desestabiliza mãe e filho, que recebem apoio espiritual do padre Achille (Achille Ridolfi), amigo da família, para superar a perda. No entanto, Achille some da cidade sem avisar, levando Jean-Charles a revelar à mãe seu relacionamento com o pároco. Rejeitado, Jean decide tirar a própria vida, o que abala a fé de Elisabeth.

Ao procurar ajuda do alto clero para esclarecer o fato, um bispo minimiza o caso exibindo uma lista de padres acusados, segundo ele, sem provas. Determinado a desvincular a Igreja de qualquer culpa, distorce valores e joga a responsabilidade do ocorrido sobre o menino de forma aviltante e coerciva. A reação da mãe é imediata, violenta e irrefreável.

Sem pensar duas vezes, Elisabeth decide caçar e punir todos os padres da região relacionados a abuso de menores, passando de carola temente a Deus a justiceira atormentada pela culpa religiosa da qual, apesar da revolta assassina, não consegue se desvincular.

Ainda que Em nome do filho tenha momentos críticos corajosos, por vezes extrapolados ao ponto da ridicularização do discurso manipulador da Igreja e da postura fanática de fiéis, produzindo sentidos de repulsa à instituição católica, é impossível não notar certa irresponsabilidade gratuita no filme.

Apesar da ótima atuação de Whettnall, a virada radical do perfil de Elisabeth é um tanto inverossímil, assim como são os assassinatos em série por ela provocados e jamais investigados pela polícia. Ao defender a justiça desamparada pela lei, o diretor remove o filme de um contexto potencialmente realista, analítico de um momento revisionista e historicamente importante, inserindo-o em um terreno movediço no qual seu poder de exame racional submerge em uma narrativa esvaziada pela violência.

Em nome do filho torna-se frágil e transforma-se em um filme caricato quando abre mão da contestação ideológica séria em nome da banalização panfletária do punir.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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