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Sinopse

​A vida de Katja entra em colapso após um atentado a bomba matar seu marido e filho. Após o período de luto, é chegado o tempo da vingança.

Crítica

O cineasta alemão de origem turca Fatih Akin conhece bem o dia a dia de um imigrante em seu próprio país. Seu cinema, que já lhe rendeu reconhecimentos nos festivais de Berlim (Contra a Parede, 2004, Urso de Ouro), Cannes (Do Outro Lado, 2007, melhor roteiro e prêmio do júri ecumênico) e Veneza (Soul Kitchen, 2009, prêmio especial do júri e prêmio da juventude), apesar de feito na Europa, sempre colocou em evidência cores fortes referentes ao país dos seus ancestrais. Esse sentimento de pertencimento, combinado a uma confusão de não saber bem qual lugar chamar de casa, seja lá ou aqui, volta à tona no drama Em Pedaços, longa que, apesar de estrelado por uma atriz alemã e filmado na Alemanha, não ignora por nenhum momento o fato destas barreiras estarem cada vez mais difusas. E essa contemporaneidade, aliada a uma postura que assume decisões tão arriscadas quanto corajosas, fazem da sua assistência um exercício tão preciso quanto doloroso.

Dor, afinal, é o que toma conta da existência de Katja Sekerci (Diane Kruger, merecidamente premiada como Melhor Atriz no Festival de Cannes por este desempenho). Tudo isso em um dia que tinha tudo para ser feliz do início ao fim. Após deixar o filho aos cuidados do marido, no trabalho deste, para passar algumas horas com a irmã, um ataque terrorista na região coloca fim às vidas dos dois homens de sua vida. Eles não eram a mira específica, mas faziam parte do grupo ao qual o atentado se direcionava. Afinal, aquele era um bairro de imigrantes, e os responsáveis por esta ação criminosa, como logo se descobre, se auto intitulam neonazistas, prontos para atos e discursos violentos e audaciosos, tudo em nome de uma suposta ‘limpeza étnica’.

É curioso observar que, sim, ela perde marido e filho, mas quem é dono do maior sofrimento? Se os que se vão partem dessa para uma melhor – ou assim decidimos acreditar – não seriam os que ficam os condenados a pagar por estes pecados? Seguindo essa linha de raciocínio, é ela, a mãe e esposa, a quem é imposta a maior pena: seguir vivendo, em uma realidade a qual se vê obrigada a conciliar sua rotina com uma sensação de perda praticamente imensurável. A reclusão, a revolta e o descontrole se abatem sobre a protagonista. Mas ela não é uma mulher disposta a se fazer de vítima. Os parentes podem estar próximos, os amigos são presentes, e até mesmo o consolo das drogas é visto como opção. Mas não lhe cabe ficar parada. É preciso agir. E é neste ponto em que o sentimento de vingança toma conta de si.

O que deseja, portanto, discutir Akin? Ele entrega ao público uma personagem endurecida pela vida, que sofre, mas não se deixa abater, e após levantar a cabeça, tudo que tem em mente é como oferecer aos que lhe causaram tamanha ausência o mesmo destino que coube aos seus mais queridos. Olho por olho, dente por dente. Mas seria mesmo este o mundo em que desejamos viver? Uma realidade em que cada afronta é sentida pelo revide do próximo? Se não há mais espaço para se oferecer a outra face, a desconstrução moral do ser humano rumo à bestialidade parece ser apenas o passo seguinte a ser dado. Fatih sabe disso, e é também ligado a esta realidade que não procura fazer de Katja uma figura simpática. Entendemos sua dor, compadecemos de um sofrimento impossível de ser descrito, mas quem a apoiaria em suas decisões?

Graças a uma performance assombrosa, revelando um talento até então insuspeito de Diane Kruger, Em Pedaços levanta uma discussão não apenas poderosa, mas vital ao momento histórico em que estamos atravessando. O filme pode ter seus altos e baixos – toda a sequência no tribunal tende a soar um pouco previsível, ainda que tenha sua utilidade em propor questionamentos a respeito da família e identidade social – mas é na jornada dessa mulher em que reside o verdadeiro valor da produção. Ela precisa exorcizar o que passou, este é o pensamento mais imediato. Mas o que fazer quando essa se revela uma atitude impossível de ser tomada? Longe de um imediatismo patético ou de um maniqueísmo reducionista que só tende a prejudicar qualquer lado que se assuma, Fatih Akin constrói uma fábula de angústia e desilusão, da qual não se é possível dissociar-se com facilidade. É uma verdade crua, um caminho sem volta, e mesmo os mais preparados hesitarão em seguir. E, sem certo ou errado, até pode soar mais fácil num primeiro instante, mas é justamente o contrário que se sucede. Pois uma vez isentos de parâmetros, tudo inevitavelmente irá resultar em equívoco. Tanto na vida quanto na ficção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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