Crítica
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Sinopse
Quando Georg tenta fugir da França após a invasão nazista, ele assume a identidade de um autor falecido cujos documentos estão em seu poder. Preso em Marselha, conhece Marie, uma jovem que está desesperada para encontrar seu marido desaparecido, o mesmo homem que ele assumiu a identidade. Quando acaba se apaixonando por ela, as coisas se complicam ainda mais.
Crítica
O cineasta alemão Christian Petzold reafirma sua inclinação a enfatizar amores em tempos de conflito com Em Trânsito. Depois de explorar isso em Bárbara (2012) e Phoenix (2014), ele observa novamente vínculos que surgem para diminuir a desolação com sua possibilidade de ternura. Todavia, o afeto tende a intensificar o desespero, à medida que oferece outro componente prestes a ser retirado pela barbárie. Desta vez, ele constrói uma trama inusitada baseada no livro homônimo de Anna Seghers. O original investiga a incerteza francesa em 1940, quando o país estava sendo ocupado pelos nazistas. A singularidade da versão cinematográfica está, primeiramente, na mistura orgânica entre passado e presente, uma vez que o enredo se passa no século 21. O contexto, então, se converte em dispositivo poético de comunicação entre camadas temporais, elo enriquecido pela maneira como o sentimento aparece na vida de Georg (Franz Rogowski) durante os planos de fuga.
O protagonista de Em Trânsito é tido constantemente como uma figura substituta, sem com isso ter ameaçadas as particularidades que lhe dão a aura de personagem literário trágico. Atendendo ao pedido do amigo, ele vai ao encontro de um escritor, mas se depara com a banheira manchada de sangue que aponta ao suicídio do mesmo. A constatação, aliada às sirenes da polícia ouvidas ao fundo, aumenta a tensão, afirmando a gravidade da situação. É preciso ir embora, algo facilitado pelo fato do falecido ter os documentos necessários e não mais precisar deles. Georg assume essa identidade para transpor burocracias, a fim de ter viabilizada a sua imediata escapada ao México. A transitoriedade é um elemento vital ao longa-metragem que explora a sensível noção de que nada é permanente. São comuns as alterações drásticas e repentinas. Isso fica ainda mais evidente quando a ação se desloca a Marselha, uma cidade portuária e, portanto, de passagem.
Para desenhar o vínculo com a diegese literária, Christian Petzold lança mão do narrador que demarca os passos do sujeito errante pela cidade à beira-mar. Tanto o texto quanto a postura vocal do sujeito que comenta/define o caminho de Georg estabelecem uma camada simbólica. Além de outras coisas, ela reforça o caráter dramático da trajetória protagonista que não parece fadada aos finais felizes. Em Trânsito é poroso, aberto ao que vem da criatividade formal, dessa disposição a costurar uma história totalmente disponível à compreensão imediata, porém, paralelamente, alimentada de signos que a tornam profunda e densa. Marie (Paula Beer), ignorante quanto ao destino fatídico do cônjuge morto, aparece esporadicamente, como se disposta caprichosamente numa teia enigmática e irracional. Ela é a personificação da coincidência como plena manifestação do destino, um traço totalmente definido pelos relances sintomáticos que a apresentam.
Esse aceno que a produção faz às casualidades é outro dos empréstimos da literatura, especificamente das tragédias que assinalam percursos praticamente inevitáveis, pois determinados por alguma força insondável. Atingido pela urgência, Georg se apaixona pela viúva do espectro utilizado para vencer a força controladora dos ocupantes e representa momentaneamente a figura paterna que tanto faz falta ao imigrante africano sucumbindo de asma e solidão. Com isso, esvanece, se indeterminando lenta e naturalmente. É como se o protagonista enfrentasse a obsolescência da própria identidade ao passo em que assume as dos outros, seja efetivamente, como no caso envolvendo a burocracia, e que desemboca no afeto cultivado com doses de melancolia, ou metaforicamente, como na paternidade postiça do menino vulnerável. Nesse labiríntico trajeto repleto de frestas, Christian Petzold consolida o amor como um misterioso agente duplo, que ora alivia, ora potencializa o sofrimento dos envolvidos, inclusive o dos imigrantes, uma pontuação contemporânea vital.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 9 |
Francisco Carbone | 10 |
Diego Benevides | 10 |
Chico Fireman | 10 |
Robledo Milani | 8 |
Roberto Cunha | 8 |
Leonardo Ribeiro | 9 |
MÉDIA | 9.1 |
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