Crítica


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Sinopse

Dono de uma mercearia no coração de Nova Iorque, Usnavi é um dos muitos representantes da comunidade latina da cidade. Assim como vários de seus vizinhos, ele está em busca de um lugar ao sol.

Crítica

Baseado no musical In The Heights, que estreou na Broadway em 2008, o filme Em um bairro de Nova York tem, a princípio, quatro protagonistas: Usnavi (Anthony Ramos) e Vanessa (Melissa Barrera, de Club de Cuervos, 2017), que querem partir – ainda que cada um para um destino diferente – e Benny (Corey Hawkins, de Esquadrão 6, 2019) e Nina (a cantora e estreante no cinema Leslie Grace), que, por outro lado, desejam ficar. Onde se encontram, portanto, é o bairro Washington Heights, na região norte de Manhattan, local que se tornou refúgio dos imigrantes latinos, vindos de Porto Rico, Cuba, México e demais países ao sul (uma bandeira brasileira chega a ser vista em determinado momento). Porém, é devido a esse contexto, que reflete uma sensação de não pertencimento, que talvez os dois personagens mais importantes sejam tanto a avó Claudia (Olga Merediz, a única a reprisar o mesmo papel dos palcos na tela grande), a que veio de tão distante e fez dali um lar, e o menino Sonny (Gregory Diaz IV, visto em Unbreakable Kimmy Schmidt, 2018), o jovem que está sendo mandado embora. E é nesse duelo, entre os que chegam e os que se vão, que o filme do diretor Jon M. Chu termina por encontrar seu valor – além, é claro, dos belos números musicais que embalam esses dilemas românticos e sociais.

Em um barro de Nova York começa de maneira esfuziante, acompanhando a rotina de Usnavi desde manhã cedo, a partir das 5h30, quando acorda e parte para cuidar da pequena bodega que é proprietário. O negócio foi herdado do pai, assim como o sonho de voltar para República Dominicana, de onde veio a família. Antes, no entanto, precisa não apenas se certificar que a casa paterna tem condições de recebê-lo, como também garantir a segurança de Claudia e Sonny – ela, aquela que o criou e dele cuida até hoje, e ele, o primo menor pelo qual se sente responsável. Seus objetivos sofrem um abalo quando Vanessa passa a corresponder suas iniciativas de aproximação, mas ao mesmo tempo não divide suas intenções de abandonar os Estados Unidos – a garota quer ser estilista e ambiciona se mudar para o centro para trabalhar com moda e o universo fashion. Em paralelo, o espectador é convidado a conhecer Benny, o rapaz feliz com o trabalho e cujo único dilema parece ser a paixão que sente por Nina, a filha do chefe. Acontece que ela foi a primeira a sair dali, e pelos próprios méritos: estudiosa, conseguiu ser selecionada para uma das mais disputadas universidades norte-americanas. Mas entende também o sacrifício que é para seu pai seguir bancando seus estudos, o que a faz duvidar se tal esforço realmente é válido.

Por trás disso, no entanto, o texto de Lin-Manuel Miranda e Quiara Alegría Hudes (autores da peça e ela responsável pelo roteiro da adaptação cinematográfica) tem outras preocupações mais urgentes para discutir. A mais evidente é a desvalorização do sentimento de comunidade e a selvageria da especulação imobiliária, que expulsa os antigos proprietários em prol de novos moradores, visando uma renovação urbana que em muitas vezes – como a exemplificada na ficção – não é tão bem-vinda como se poderia esperar. Do garoto que não vê possibilidade de crescimento com o negócio próprio ao antigo empreendedor que percebe ser mais fácil abrir mão da velha atividade do que lutar por um improvável avanço, há ainda os comerciantes que se veem obrigados a mudar de bairro por causa do aumento dos aluguéis. Entre eles, portanto, há a velha senhora, aquela considerada avó de todos, que foi testemunha que uma época que não volta mais e reconhece não ter mais espaço no hoje, e o jovem que está chegando, disposto a lutar por seus direitos, mas que também se deixa abalar por portas que se fecham antes mesmo de lhe dar uma oportunidade.

No entanto, importante não esquecer que Em um bairro de Nova York é, acima de tudo, um musical. E como tal, o tom fabular é primordial para seu entendimento. A suspensão da realidade dita muito dos fatos expostos em cena, por mais que não cheguem a ser explorados na medida que talvez permitissem. O número “When the Sun goes Down”, por exemplo, com o balé pelas paredes externas do prédio, é um desses poucos momentos que oferecem um gostinho de quero mais que, no entanto, não chega a ser plenamente realizado. Por outro lado, sequências como as de “In The Heights” ou “96.000”, que movimentam todo o elenco e combinam uma elaborada coreografia com homenagens a grandes clássicos do gênero, são suficientes para elevar a energia tanto da equipe como do público na audiência. Há passagens eletrizantes, mas esses picos chegam cedo, e por mais que o esforço seja visível, não chegam a se sustentar. Muito se deve, também, ao fato do excesso de canções e da longa duração da obra (são quase 2h30 de projeção). “Paciencia Y Fe” e “Carnaval del Barrio” são números bonitos, mas redundantes. Exemplos do excesso desnecessário pode ser percebido dentro do cenário proposto, pois pouco contribuem com o todo. Se descartados, em nada afetariam no resultado geral. E o conjunto se beneficiaria de uma maior objetividade.

Embalado pelo fenômeno de Hamilton (2020) – também criado por MirandaEm um bairro de Nova York é a prova do talento do seu criador, porém pálido diante muitas das suas principais intenções. Sem se debruçar na questão geográfica de uma maneira de fato incisiva, deixando de lado no decorrer de sua narrativa muitos dos debates propostos – o dilema de Usnavi termina por se mostrar preponderante sobre os demais – e abrindo espaço para abusos criativos (o próprio Miranda é uma presença irrelevante, e sua participação poderia ter sido eliminada por completo sem prejuízo à trama) – ao menos há méritos inegáveis envolvidos, como a entrega do elenco – Ramos é um sopro de renovação – e a canções absolutamente apaixonantes, como muitas das citadas e outras, como “Breathe” e “Blackout”, que ficarão na memória além do término da projeção. Assim como Pantera Negra (2018) e Podres de Ricos (2018) foram tão representantes para as comunidades negras e asiáticas, respectivamente, esse poderia ser um marco junto às plateias latinas. Não chega a ir tão longe, mas os passos dados nessa direção, apesar dos tropeços, não podem ser desconsiderados.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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