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Sinopse

A vida de famílias de classes sociais e regiões distintas, cujos filhos manifestam transtornos sensoriais ou cognitivos. Assim, o documentário busca compreender a percepção do mundo pelo ponto de vista dos jovens com Transtornos do Espectro do Autismo.

Crítica

A fim de construir um documentário amplo sobre o autismo, os cineastas Flávio Frederico e Mariana Pamplona pautam a diversidade pelos diferentes graus do transtorno. Essa opção permite a Em Um Mundo Interior, por meio de um viés didático competentemente camuflado nas transições, montar um painel sobre a condição. Embora também haja uma (relativa) pluralidade de raças e localizações na amostragem, tais traços possuem importância menos acentuada no tecido narrativo. Com idades que variam de 3 a 18 anos, os exemplos, então encadeados, possibilitam que tenhamos proximidade maior com a complexidade da questão em jogo. Entremeados por depoimentos de especialistas – psicólogos, professores e demais profissionais diretamente ligados às rotinas intrinsecamente atentas a necessidades especiais – surgem fragmentos de cotidianos marcados por evoluções lentas, compreensões paulatinas das potencialidades/limites, e vitórias relacionadas ao desenvolvimento de pacientes com demandas próprias.

A estrutura de Em Um Mundo Interior é tão simples como funcional. Ela dá conta de, através da atração de particularidades, tendo certa natureza comum como linha-mestra, oferecer um panorama satisfatório do autismo. Vemos o dia a dia de crianças com gradações distintas de percalços, da menina que eventualmente demonstra um comportamento agressivo na escola ao quase adulto que logra êxito em tarefas consideradas intrincadas, como apresentações teatrais. Dentro desse itinerário retilíneo e basicamente uniforme, que não abre espaços a flutuações emocionais, as falas dos homens e das mulheres capacitados, nas mais diferentes áreas do conhecimento, funcionam como excertos ilustrativos. Elas, de certa forma, explicam as conjunturas, tornando mais acessível a assimilação plena das singularidades apresentadas sucessivamente. Terapias e outros tratamentos igualmente aparecem nessa explanação competente, porém deveras engessada.

Em Um Mundo Interior se furta de apresentar situações fora de uma esfera social que autoriza pais e mães a obterem auxílio. São insuficientes as menções às dificuldades de quem possui menor poder aquisitivo, pois realmente a parcela socialmente vulnerável não entra no recorte. Isso ocorre exatamente porque a complexidade obviamente não faz parte da proposta de ilustração que guia os ímpetos observacionais e de abordagem. Contudo, tal exclusão produz uma alienação, situação que distancia a produção de seu suposto ideal de abrangência. A ausência depõe severamente contra o resultado, pois é evidente a constituição de uma bolha que contempla apenas uma parcela da população lidando com o autismo. Esse considerável ruído, paradoxalmente provocado pelo silêncio e pela omissão, é sensível justamente por conta da valorização de Flávio Frederico e Mariana Pamplona à multiplicidade como um elemento norteador da proposta. Essa variedade contempla critérios bem específicos, mas não o todo.

Mesmo com esse problema que se agiganta durante a sessão, Em Um Mundo Interior exala afetuosidade e uma vontade de entender profundamente algo tão estereotipado socialmente. O ato de entregar câmeras às sete crianças/jovens é uma curiosidade aproveitada esporadicamente. A sensação é a de que o recurso, frustrado pela pouca adesão dos partícipes, foi encaixado a fórceps, numa tentativa vã de produzir algum sentido. Os realizadores são felizes ao driblar quaisquer acessos de sentimentalismo fácil, conseguindo manter o filme num espaço entre o respeito e a informação. Infelizmente, a conjugação dos componentes cinematográficos, senão comprometedora, é incapaz de ampliar o debate e fazer da experiência mais que meramente esclarecedora. É um documentário bastante singelo, sincero e direto, no concernente às boas intenções, mas que carece de uma condução menos acomodada com sua capacidade de concatenar dados, a fim de transcendê-los formalmente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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