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Crítica


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Sinopse

Uma mulher reconhece o amor ao viajar para a Croácia em busca de uma herança à qual tem direito.

Crítica

Essa não é a primeira, muito menos a segunda. É, sim, mais uma dentre tantas histórias de mulheres menosprezadas por suas famílias ou mesmo pessoas próximas que irão encontrar um novo propósito para suas existências a partir de uma mudança radical de cenário. Talvez o longa referencial dentro deste espectro seja Shirley Valentine (1989) – que rendeu uma indicação ao Oscar para Pauline Collins como a personagem-título – mas há uma infinidade de variações sobre esse mesmo tema, do musical Mamma Mia (2008) ao drama A Filha Perdida (2021), entre tantos outros. O que Em uma ilha bem distante tem para oferecer de novo ao assunto é não apenas uma abordagem feminina-positiva, mas também uma liberação quanto ao que se convencionou chamar de “padrão” pela sociedade ocidental. Esse desprendimento, assim como um apelo a uma narrativa madura que não fique dependente exclusivamente ao desenlace amoroso – por mais que esse se faça presente – acaba por se confirmar como um charme extra, justificando um olhar atento a uma história que, na superfície, parecia oferecer apenas mais do mesmo. O que, felizmente, não chega a ser o caso.

Por mais que o enredo tenha nascido a partir de uma ideia de Alex Kendall – que foi consultor dos roteiros de filmes distintos, como o oscarizado Nada de Novo no Front (2002) ou a aventura O Troll da Montanha (2022) – as mentes que de fato foram responsáveis pelo formato que Em uma ilha bem distante assume em cena são as da roteirista Jane Ainscough (Lassie: De Volta à Casa, 2020) e a da diretora Vanessa Jopp (indicada ao European Film Awards pelo seu trabalho de estreia, o drama Vergiss Amerika, 2000). As duas se uniram na concepção de Zeynep, uma mulher que há tempos tem se acostumado a um espaço dentro do seu cotidiano menor do que aquele que de fato lhe compete. Ela aceita de forma passiva o quase descaso que lhe é dirigido pelo marido, a irritação constante da filha e mesmo a falta de respeito do pai idoso, que a vê mais como uma empregada do que como a única que lhe restou. Sim, pois nesse dia há algo a mais sobre os seus ombros: enterrar a mãe, recém falecida. No meio de tantas perdas, um presente inesperado chega até ela.

Vão-se os anéis, mas ao menos ficam os dedos, diz o ditado popular. Nesse caso, a perda materna é também o recebimento de uma herança que nunca soube existir. Porém, ao invés de um endereço perdido na Turquia, de onde emigraram, ou na Alemanha, onde agora habitam, trata-se de uma casa na terra natal daquela que partiu: Croácia. Assim, em meio à tantas decepções, Zeynep vê essa novidade como uma oportunidade de fuga, mas também de transformação. Decidida a não parar até se ver em outra realidade, deixa para trás aqueles que dela apenas exigem, sem nada oferecer em troca, e parte em busca daquilo que também é seu – e dos segredos e novidades que esse lugar que somente agora toma conhecimento possa lhe ter reservado. Como dita a cartilha das produções do gênero, uma retomada tão radical do próprio destino passa, invariavelmente, pela descoberta de um novo amor. Mas aqui esse apelo é apenas um passo inicial. Entre o abrutalhado Josip e o galanteador Conrad, haverá mais naquela localidade remota com o que se ocupar: suas próprias origens, o reencontro com uma beleza que acreditava esquecida, a capacidade de tomar suas decisões sem ter que consultar todos ao redor e um poder de atração que talvez nem soubesse possuir.

Por mais que possa soar exótico, a costa croata não chega a ser necessariamente estranha ao olhar cinéfilo. Para se ter uma ideia, foi lá onde ocorreram as filmagens de Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo (2018), a milionária sequência do musical inspirado nas canções do ABBA – por mais que na ficção a trama seja ambientada na Grécia. Pois é nessa mesma região, de um mar de azul infinito e um céu que parece não ter uma única nuvem acinzentada, que Zeynep se verá envolta por esse processo de autodescoberta. Vivida pela atriz suíça Naomi Krauss (Os Invisíveis, 2017), a personagem afirma ter quase 50 anos e em mais de uma situação se vê lutando com roupas de baixo apertadas e outros apetrechos destinados a disfarçar as supostas imperfeições de um corpo absolutamente normal – e, justamente por isso, dono de uma beleza inegável. A despeito desse possível julgamento, será ela que se verá sendo cobiçada por homens mais jovens, decidindo o futuro daquele espaço que agora é proprietária e se permitindo, quiçá pela primeira vez, pensar primeiro em si ao invés de seguir colocando os demais antes dela mesma.

Por mais que não consiga evitar algumas obviedades – o casal que implica um com o outro apenas por se sentirem atraídos mutuamente, ou a garota que usa do mau-humor somente para disfarçar uma carência cada vez mais latente – se faz necessário perceber que, entre perdas e ganhos, o saldo oferecido por Em uma ilha bem distante é positivo, seja pela composição saudável ofertada pelos tipos em cena, ou até mesmo pelos desencontros e confusões que de um jeito ou de outro acabam se metendo – mais um passatempo colocado para adiar um inevitável desfecho do que elementos de fato capazes de provocar preocupação. Nesse conjunto, há de se destacar ainda a presença de Goram Bogdan (visto na terceira temporada da série Fargo, 2017), em plena sintonia com a protagonista, formando um casal inesperado, mas absolutamente adequado e dono de um charme singular. Em um ambiente cada vez mais escasso de boas ideias capazes de oferecer uma mínima diversificação, eis uma mistura que surpreende pela pouca expectativa que desperta, o que lhe permite, por fim, ganhar o espectador sem pressa nem atropelos, mas com calma e segurança. Uma boa surpresa, enfim.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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