Crítica
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Sinopse
Emily Brontë tem uma imaginação e uma impetuosidade que a impedem de caber no papel de submissa. Enquanto tenta convencer o entorno que de sua voz é rica e fundamental, ela tem um caso de amor proibido.
Crítica
O fato é tão raro e inusitado que, obviamente, merece uma atenção detalhada. No início do século XIX, no interior da Inglaterra, em uma região afastada dos grandes centros e bastante rural, um vigário e sua esposa tiveram seis filhos, sendo que as duas mais velhas morreram ainda muito jovens. Dos quatro restantes, eram três moças, com apenas um rapaz. Esse trio de garotas, no entanto, se tornou mundialmente conhecido como as irmãs Brontë, autoras de clássicos da literatura mundial, como Jane Eyre (de Charlotte, publicado em 1847) e The Tenant of Wildfell Hall (de Anne, cuja primeira edição é de 1848). A mais notória delas, no entanto, foi a que dá título ao primeiro longa assinado pela também atriz Frances O’Connor, Emily. E ela não optou por um caminho fácil nessa estreia. Afinal, Emily Brontë assinou nada menos do que O Morro dos Ventos Uivantes, lançado em 1850. Não só é a mais famosa, como, também, a de quem menos se sabe a respeito, graças a uma personalidade reclusa e introvertida. Eis aqui, portanto, uma cinebiografia que assume para si a responsabilidade não apenas de narrar fatos históricos relevantes, mas também a de preencher importantes lacunas munida apenas da imaginação e de alguns indícios. O resultado é uma jornada curiosa, nem sempre gratificante, mas nunca desprovida de propósito.
Tendo diante de si uma história na qual, além dos escassos eventos que se sabe a respeito, muito reside em suposições e elaborações fantasiosas, O’Connor opta por uma investigação criativa, estabelecendo elos e ligações em um mergulho que parte dos sentimentos e sensações muitas vezes exploradas nos romances da autora para, assim como em um espelho, criar uma ideia sobre sua própria personalidade. Tendo perdido a mãe ainda cedo e vendo-se em um conflito entre duas irmãs tão apoiadoras quanto competidoras, seja pelos talentos que todas despertavam, como também nos enlaces familiares – sempre observadas de perto pelo pai austero e controlador – como nas (poucas) relações que conseguiam estabelecer na conservadora comunidade na qual estavam inseridas. De uma forma ou de outra, cada uma delas ousou desafiar um destino que deveria ser comum às mulheres da época (casar, ter filhos, etc). E, assim, foram hábeis em estabelecer seus nomes na memória dos tempos.
Mas Emily não estava tão sozinha quanto se poderia imaginar. Ainda que na maior parte do tempo estivesse ocupada em diálogos e debates dela consigo mesma – o que é levado à tela de modo envolvente e, por que não, também assustador, visto o mergulho interno que possibilita – há ainda a presença do irmão, o varão mais fortemente afetado pela influência castradora do pai. Esse jovem, tão libertário quanto sonhador, inspirava seguir um caminho também pelas artes – se via como pintor – mas fora obrigado a se sujeitar aos desígnios paternos, que via nele sua continuidade. Era um rapaz frágil, de saúde igualmente debilitada, que acabou encontrando na bebida um refúgio do qual não teve volta. Os momentos entre eles são os mais ricos da narrativa, ainda que pontuais. É como se Emily, por mais isolada que se imaginasse, só conseguisse se encontrar por completo quando em família, expondo-se através das percepções dos irmãos: a invejosa, a que não a compreendia e o que com ela fantasiava uma vida melhor.
O’Connor, interprete que atuou sob o comando de cineastas como Steven Spielberg e Richard Donner, sabe que tão importante quanto a ação que envolve os personagens em cena são também os atores por trás de cada um destes tipos. Ocupada com os bastidores – além da direção, também assina o roteiro – acerta ao deixar em frente às câmeras novos – e, não menos importante, reconhecidos – talentos. A protagonista é vivida por Emma Mackey, que roubou as atenções na recente versão de Morte no Nilo (2022) e viveu o par romântico do homem responsável pela torre no francês Eiffel (2021). Ela é tanto mistério quanto perturbação, e alguns dos seus melhores momentos – como no uso da máscara ou em sua tortuosa passagem pela escola como professora – adquirem ares de pesadelo graças ao nível de entrega da atriz. Também se reinventa o britânico Fionn Whitehead, que após despertar interesse como o atormentado adolescente do interativo Black Mirror: Bandersnatch (2018), aqui surge como Branwell, o irmão que é tanto um porto seguro como motivo de preocupações para as irmãs Brontë. A cena dele com Emily no alto da colina, quando o mundo se desdobra diante deles, com tanto a se conquistar no pouco tempo que lhes restava, é tão encantadora quanto triste.
Longe de entregar uma cinebiografia convencional, France O’Connor revela perspicácia ao dividir responsabilidades na realização do seu Emily. Se por um lado alguns dos seus acertos se destacam – como os apontados acima – em outros há deslizes que denotam uma falta de distanciamento, como as reiteradas dores de cabeça quanto ao futuro profissional da personagem-título, ou a sombra de claustro que o pai exercia, questões que por vezes se mostram cruciais, para logo em seguidas serem relegadas a um segundo ou terceiro plano, visto que irrelevantes diante de um cenário maior. Outros temas, como os problemas de saúde da família – nenhum dos seis irmãos chegou a completar 40 anos, sendo que a maioria morreu ainda antes dos 30 – ou o legado literário que as três Brontë deixaram, por mais que não pudessem ser evitados, em raros momentos ocupam o centro dos acontecimentos. Em resumo, o que se tem é um olhar íntimo, mais imaginativo do que fidedigno, sobre uma mulher que, com tão pouco ao seu alcance, foi capaz de construir uma realidade própria e duradoura. Sem se bastar em si mesmo, é um filme longe do descartável, pois sua maior força está justamente no potencial que abraça.
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