Crítica

Bruno tem um problema: não sabe mais o que quer. Logo ele, que sempre foi tão certeiro em suas ambições, planos e atividades. Desde pequeno tinha certeza que seria arquiteto, decidiu casar com a primeira namorada e, quando ela o abandonou no altar, esperou por quase dois meses até se acertarem para confirmar o compromisso entre eles. Tudo parecia perfeitamente planejado até o momento em que uma crise se abateu sobre ele, levando-o a questionar o que tinha conquistado até então e mesmo como as coisas deveriam seguir dali para frente. “Preciso de um tempo para me encontrar”, é o que mais diz aos outros e, principalmente, para si mesmo. E é neste período de confusão em que se passa a trama de Grisalhos, título nacional infeliz para esse interessante drama chileno que marca a estreia na direção de Claudio Marcone.

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Afinal, ainda mais para uma produção identificada com a temática homossexual, um nome como Grisalhos serve apenas para despertar a atenção de um público mais maduro, de tribos como ‘ursos’ ou ‘daddys’ (homens mais velhos, corpulentos e peludos). Exatamente o que não se encontra em cena em En La Gama de Los Grises, cuja tradução direta seria Entre os Tons de Cinza. Para não se assemelhar ao soft porn para mamães que movimentou os cinemas no início do ano – afinal, Cinquenta Tons de Cinza (2015) arrebatou mais de US$ 570 milhões nas bilheterias de todo o mundo – optou-se por uma denominação mais genérica, porém tão enganosa quanto frustrante. Bruno, o protagonista, tem pouco mais de 30 anos, é magro, alto, liso e loiro de cabelos encaracolados. E como entre seus questionamentos está sua própria identidade sexual, acaba se envolvendo com outro homem. Mas Fer também está longe deste estereótipo anunciado: mais baixo que o amante, tem barba cerrada, cabelos cuidadosamente revoltos, corpo em forma e poucos pelos. A química entre eles funciona. Mas não como se poderia dar a entender ao público brasileiro.

Antes de se focar na relação que surge entre os dois, Marcone dirige seu olhar ao personagem centro de sua atenção: Bruno. Acompanhamos sua rotina solitária, a falta de motivação, o abandono físico e social. Saiu de casa, deixando esposa e filho para trás, e foi morar no fundo da oficina do avô. Lá, em um quartinho espartano, tenta encontrar novos propósitos para sua vida. É quando recebe um pedido de trabalho – construir algo que entre para a história da cidade – e, para tanto, deve cumprir uma missão: acompanhar Fer, um guia turístico, que o levará para melhor conhecer Santiago. O entrosamento entre eles se dará de forma quase instantânea. O problema é que Bruno é o que se poderia chamar de “bicurioso”, ou seja, está entre a heterossexualidade e a homossexualidade. Como Fer afirma: “quando se é gay, tudo pode acontecer. Se não, posso apenas lamentar, pois sei que não há esperanças. O problema está quando o outro não é nem uma coisa, nem outra. Nem preto, nem branco. Está perdido entre os tons de cinza”.

Francisco Celhay defende bem seu Bruno, sem arroubos, mas com competência. Surpreendente, no entanto, é Emilio Edwards, que empresta a Fer uma personalidade singular, cativante e envolvente. Daniela Ramírez, como a esposa abandonada, está à frente da figura de menor empatia, porém seu diálogo final possui tamanho impacto que obriga o espectador a rever sua impressão a respeito dela – um talento que não pode ser ignorado. Por fim, há a participação do veterano Sergio Hernández (Gloria, 2013), que aparece como o avô que qualquer um em semelhante situação gostaria de ter consigo, experiente e vivido, que sabe ouvir e dar o conselho certeiro, sem pregar verdades, porém atento ao instinto do neto em conflito. Um elenco afinado, que transita com impressionante segurança entre os dilemas explorados em cena.

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Sem levantar bandeira para um lado ou outro, será no conflito vivido pelo protagonista que a trama de Grisalhos irá se estabelecer. Claro que, uma vez que o enredo tem início com sua saída de casa e o começo do namoro com Fer, a tendência será para o romance gay. Mas nem tudo é simples. Por mais que os dois pareçam funcionar juntos, há muito se passando pela cabeça de Bruno – a família, os vizinhos, o trabalho, a sociedade. Ao mesmo tempo, há essa tarefa a ser cumprida: definir um projeto que fará diferença na cidade onde vive, que deixará uma marca, que permanecerá na memória e nas referências das pessoas. Mas como erigir um monumento com essa relevância quando ele próprio não consegue decidir para qual lado seguir? Porém, quando se está entre extremos, o melhor talvez seja justamente buscar o intermediário, estabelecendo ligações entre um lado e outro. Um caminho talvez óbvio, mas nunca fácil.

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