Crítica
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Sinopse
Uma famosa blogueira de moda conhece um talentoso sapateiro que a faz questionar seu amor pelo noivo.
Crítica
Se o cinema balizasse o comportamento das sociedades, talvez o capitalismo já teria sido derrubado como sistema econômico dominante. Nos filmes ele é repetidamente representado como o lado sombrio "da força". Pense na quantidade de ricaços estereotipados como vilões e na abundância de vezes em que você viu na telona o progresso destruindo a natureza como algo a ser evitado heroicamente pelos mocinhos. Isso até nas produções escapistas. Claro que nem todo abastado se converte imediatamente num perverso, mas é curioso que o excesso de dinheiro seja comumente nocivo na ficção, embora perseguido como meta por muitos na vida real. Em Encaixe Perfeito, a dinâmica de milionários ruins contra pobres bons constitui/reafirma a polarização que orienta o desenvolvimento do romance meloso com toques de contos de fada. Saski (Nadya Arina) é uma blogueira de moda influente prestes a se casar com o herdeiro de uma fortuna incalculável. Depois de se consultar com uma cartomante, começa a sentir mudarem os ventos de sua vida, principalmente ao conhecer o sapateiro Rio (Refal Hady). Não demora muito para que a cineasta Hadrah Daeng Ratu repita praticamente todos os clichês das comédias românticas, sobretudo opondo brutalmente o noivo escoto e o pretendente sensível. Óbvio que a protagonista deve optar pelo segundo, mas se vê obrigada a ficar com o primeiro.
O conflito de Encaixe Perfeito aparentemente está na impossibilidade. Saski não tem saída, mesmo quando seu coração palpita pela novidade. Sua mãe está doente e ela tem de fazer o sacrifício em prol do tratamento pago por seu sogro grã-fino. No entanto, o filme não se detém nesse aspecto trágico da falta de alternativa, na necessidade de um martírio pessoal para o bem de alguém amado. As energias são investidas basicamente na condução do casal principal por caminhos bastante conhecidos e de margens em nada questionadas. Os pombinhos se conhecem; não se dão muito bem no começo; aos poucos se aproximam; baixam as guardas diante da bondade e do charme alheios; finalmente se compreendem apaixonados; têm de encarar a dura realidade; praticamente se separam; e finalmente acabam juntos. Aliás, a cena final parece ter sido tirada de um manual empoeirado de como encerrar obras do gênero. Resumir o envolvimento neste texto não configura necessariamente um spoiler, pois a própria narrativa se encarrega de reafirmar repetidamente que está seguindo uma estrada tortuosa, repleta de contratempos, mas cujo destino é o pote de ouro no fim do arco-íris. E Hadrah Daeng Ratu é subserviente a isso conscientemente, haja vista sua compreensão dos códigos dos contos de fadas aos quais recorre como modelo. E isso é constantemente confirmado ao longo da trama.
A compreensão dos signos aqui reproduzidos, inclusive, fica escancarada na primeira cena com a cartomante. A leitura do futuro de Saski contém um resumo do que vai acontecer e, ainda mais ostensivo, serve para incumbir a melhor amiga da protagonista como escudeira. Andra (Laura Theux) aparece no longa-metragem toda vez que o casal ameaça se desviar do futuro talhado lindamente nas estrelas. Ela não tem subjetividade, desempenha simplesmente o papel de guardiã do sentimento nobre, quando muito ganhando espaço ao cantar nos breves clipes que resumem as fases intermediárias do destino dos apaixonados. É uma pena que Hadrah Daeng Ratu desperdice de modo gritante sua consciência quanto à utilização dos lugares-comuns. Ela se restringe a repeti-los, nem jogando com essa vontade de fazer apenas mais um filme sobre uma gata borralheira (neste caso, um gato) que se encantará por uma princesa prometida a um príncipe arrogante. Aliás, para aumentar ainda mais (e precisava?) essa tensão residente na impossibilidade, Encaixe Perfeito arruma (do nada) uma noiva para Rio, a também rica e esnobe Tiara (Anggika Bolsterli). Essa equivalência entre homem e mulher, igualmente lutando para se desvencilhar de pretendentes endinheirados, não gera frutos, apenas reforça a oposição superficial entre os valores da humildade e a corrupção deles no seio dos ricos.
Não são comuns os lançamentos de filmes indonésios no Brasil. Quando muito, somos brindados com algum exemplar de destaque em festivais internacionais. Portanto, mais raras ainda são as estreias de longas de pretensões fundamentalmente comerciais desse país com pouca tradição cinematográfica. Encaixe Perfeito chega para ajudar a mudar o panorama de escassez, embora o faça deixando a sensação de que esse mercado menor provavelmente repete muitos pressupostos estético-narrativos do hegemônico cinema hollywoodiano. Os elementos que poderiam conferir tintas locais ao conto de fadas são minimizados. A influência da religião, a importância da tradição, os vitais preceitos milenares, tudo isso acaba temperando levemente o molho ralo de uma comida requentada com pitadas exóticas. É como se nos servissem um hambúrguer do McDonalds com sabor artificial de Nasi Goreng – arroz frito bastante consumido no país oriental – e quisessem nos fazer acreditar que se trata de um prato típico. Saski não é diferente da Rose de Titanic (1999), ou seja, mulher prometida a um ricaço, apaixonada por um pobretão (não tão pobre assim por aqui), mas que precisa se sacrificar em nome da família. No filme de James Cameron há sabor e textura nessa caricatura de classe, pois ela atende à forma como a idosa Rose enxerga aquilo passados cerca de 80 anos. Já aqui, tudo obedece à tentativa de enfatizar o teor leve e açucarado do “amor que a tudo vence”. Para fechar essa fatura inocente, perto do fim há uma tentativa de contemporizar o capitalismo enxergado como ninho de cobras. O imperialista mor defende a natureza e os costumes, redirecionando a culpa (vilania) à imaturidade. O discurso convence somente o filho mimado com cara e jeito de pateta.
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Gostei muito da resenha. Comecei a assistir e em poucos tempo estava ficando com raiva da tal família rica, pois era evidentemente hipócrita. Pensei que era exagero meu enxergar doutrinação anticapitalista e me ressentir um pouco. Mas ainda bem que li essa resenha onde o autor é direto ao ponto. Parabéns ao Marcelo Muller pela resenha sem politicamente correto.
Nossa, vc é uma pessoa amarga!