Encontrando Gorbachev
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Werner Herzog, Andre Singer
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Meeting Gorbachev
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2018
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Reino Unido / EUA / Alemanha
Crítica
Leitores
Sinopse
O último líder da União Soviética e responsável por importantes negociações pela diminuição do armamento nuclear, Mikhail Gorbachev é mais respeitado fora do Rússia do que dentro. Com 87 anos de idade, ele fala como um homem que não tem nada a temer. Em três entrevistas, junto a imagens de arquivo, analisa-se a ascensão de Gorbachev na política e os tumultuosos anos que o mundo viveu no auge de sua carreira.
Crítica
Desde o início dos anos 2000, a produção documental do alemão Werner Herzog tem se intensificado, em boa parte se sobressaindo em relação a seus trabalhos ficcionais, à medida em que, muitas vezes, expõe com mais intensidade as principais qualidades e obsessões de seu cinema: seja no embate entre homem e natureza sob condições extremas e nas reflexões metafísicas acerca da origem da humanidade de filmes como O Homem Urso (2005) e A Caverna dos Sonhos Esquecidos (2010), ou no recente mergulho na violência enraizada na sociedade através da temática dos condenados à pena de morte – em Ao Abismo: Um Conto de Morte, um Conto de Vida (2011) e na série televisiva On Death Row (2012 – 2013). Em Encontrando Gorbachev, co-dirigido por Andre Singer, Herzog foge destes tópicos habituais, realizando um documentário biográfico mais tradicional que investiga uma das mais notórias figuras da história no século XX, Mikhail Gorbachev, o último presidente da União Soviética.
Tendo como base três longas entrevistas concedidas pelo ex-governante russo – a última a pedido do próprio, que desejava uma conclusão para a empreitada, e realizada quando ainda se encontrava debilitado após passar um período hospitalizado – mescladas a um farto material de arquivo, Herzog e Singer refazem a trajetória de Gorbachev desde a infância modesta no interior rural do país, passando por seu interesse precoce pela política e chegando até o ponto central de sua história, quando assumiu a presidência, nos anos 1980, iniciando uma era de mudanças com a implantação de planos de reconstrução econômica e de transparência – Glasnost e Perestroika – fundamentais para o processo que levou ao fim da Guerra Fria e, posteriormente, do próprio regime socialista soviético.
Sem esconder sua admiração pessoal, na escolha das perguntas e na condução geral das entrevistas, chegando a afirmar que os alemães o amam por seu papel na reunificação do país, Herzog constrói um retrato bastante simpático a Gorbachev, por vezes assumindo um tom reverencial. Tal opção, de fato, implica a ausência da possibilidade do confronto, e a perda da força que poderia ser extraída do mesmo. Por outro lado, essa escolha, visivelmente consciente, deixa transparecer uma genuína afetividade, pontuada por algumas passagens de um humor irônico sutil – como a sequência da matéria sobre as lesmas do telejornal austríaco ou ainda na forma como o cineasta e seu colaborador encadeiam as mortes dos líderes soviéticos até a ascensão de Gorbachev à presidência – e que serve à busca pela humanização de seu biografado, tão desejada dentro da esfera documental.
Busca que o longa atinge pela capacidade de Herzog como interlocutor, mesmo que por vezes assuma um protagonismo excessivo, de extrair de seus entrevistados observações carregadas do lirismo que tanto aprecia. Esse elemento poético é complementado pela singular narração do cineasta – a voz ao mesmo tempo profunda e suave, a cadência evocativa – estabelecendo a aura simbólica que cerca Gorbachev, e reafirmada por outros entrevistados, como o ex-primeiro-ministro da Hungria, Miklós Németh, e Horst Teltschik, conselheiro de segurança nacional, para Helmut Kohl, ex-chanceler da Alemanha. Tais depoimentos contribuem para que se compreenda o papel central do ex-líder soviético em alguns dos episódios mais significativos da história mundial nos últimos quarenta anos. Contudo, é mesmo na concepção de Gorbachev como uma figura trágica que os diretores acabam por se concentrar, elevando o documentário para além de sua narrativa formalmente convencional.
Assim, Encontrando Gorbachev acaba por configurar o retrato de um homem essencialmente solitário, especialmente após a morte da esposa. É a tal acontecimento, por sinal, que boa parte do ato final é dedicada, rendendo os momentos mais emotivos do longa, captados com singeleza, sem que soem artificiais. Além da tragédia pessoal, a dor do conflito interno de Gorbachev também ganha espaço, com este revelando ao mesmo tempo seu orgulho – da luta pela reestruturação de seu país, pelo fim da Guerra Fria e pela desativação das armas nucleares – e sua frustração com o desmantelamento da União Soviética, que o levou a ser chamado de traidor do socialismo. Esse sentimento conflitante dá o tom à melancolia que Herzog imprime ao desfecho, trazendo Gorbachev recitando os versos de um poema de Mikhail Lermontov, escritor russo do século XIX, e encerrando este retrato que, se não completo, ao menos se revela sincero em sua abordagem afetuosa.
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