Crítica
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Sinopse
Ellie é uma advogada de sucesso, que reencontra no trabalho um antigo amigo de faculdade, David. Ele se aproxima dela e ambos acabam se beijando uma noite, após algumas bebidas. Ellie se arrepende e se afasta do colega, que não pretende ser deixado de lado. Enquanto o passado obsessivo de David vem à tona, a advogada compreende que ela e sua família correm sério perigo.
Crítica
Este suspense psicológico desenvolve a sua narrativa através de símbolos. Ellie (Nia Long) é apresentada por uma sucessão de imagens rápidas: a aliança gigante na mão esquerda (ela é casada), o carro de luxo e o casarão (ela é rica), a conversa por telefone sobre um processo (ela é advogada), a alusão ao desejo de ter seu próprio escritório de advocacia (ela é ambiciosa), as joias colocadas sobre a pia do banheiro (ela é bela e vaidosa). O marido (Stephen Bishop), em contraponto, se resume a símbolos menos elogiosos: vários frascos de comprimidos perto da cama (ele tem problemas psicológicos), uma cicatriz profunda no ombro (ele tem debilidades físicas), a permanência em casa enquanto a esposa sai para trabalhar (sinal de fraqueza e domesticação), e as noites quando deita na cama, apaga a luz se vira para o lado oposto da esposa (não faz sexo, portanto, é pouco másculo ou sensual). David (Omar Epps), antigo colega de Ellie na faculdade, confessa o apetite sexual à terapeuta enquanto a câmera se aproxima de seu rosto: este homem certamente tem hombridade e libido de sobra. Não por acaso, ele será visto perto de um galão de gasolina. Encontro Fatal (2020) se abre sobre uma inversão de expectativas: são as mulheres que querem sexo, enquanto os homens se dividem entre românticos inofensivos e psicopatas possessivos.
O cinema B se especializou em histórias sobre amantes enlouquecidas, dispostas a arruinar qualquer um em seu caminho para terem o homem de seus sonhos. Desta vez, no entanto, o sujeito desprezado é o homem incapaz de aceitar a rejeição. Peter Sullivan, diretor branco, escala um elenco quase integralmente negro dentro de um contexto onde a raça é desenvolvida com naturalidade. Os modelos de beleza e sucesso nesta trama provêm de atores e atrizes negros, sem que o racismo constitua um conflito narrativo. Os inúmeros signos do diretor podem não ser muito sutis, e inclusive beiram o kitsch, no entanto merecem atenção pela produção de significado através de associações imagéticas, ao invés das tradicionais explicações em diálogos. Os amantes se encontram em frente à cozinha onde o chef flamba algum alimento; David se intromete na casa de sua vítima à noite, perto do conjunto de facas afiadas; Ellie retorna à casa após a infidelidade e se depara com o álbum de família. Fogo significa desejo; facas significam perigo; retratos sorridentes significam arrependimento. Depois de trair o marido, a protagonista corta o dedo enquanto prepara a janta. As associações são evidentes, quase ingênuas em suas pretensões psicológicas. Mesmo assim, o diretor deixa que o espectador compreenda sensações e emoções através da interação entre personagens e cenários, algo notável para um filme de pretensões tão modestas.
Ao mesmo tempo, Ellie jamais constitui uma simples vítima. O roteiro toma precauções: primeiro, para defender os desejos desta mulher (ela beijou o colega de profissão por carência), segundo, para ressaltar o caráter dela (ela se arrepende, se afasta dele), e terceiro, ao retirá-la da posição de fragilidade. Quando passa a ser atacada pelo agressor, a advogada toma a dianteira da situação e elabora seu próprio plano para revidar. À determinada altura da trama, questiona-se quem está perseguindo quem. Mesmo assim, o ponto de vista permanece preso à mulher, enxergando o mundo pelos olhos dela. Neste sentido, o discurso e a direção adotam posicionamentos louváveis. Talvez os contra-ataques da protagonista sejam inverossímeis: dificilmente alguém entraria tão facilmente na casa de outra pessoa, ou conseguiria hackear com tanta rapidez um hacker. Além disso, como raios um homem perigoso teria informações comprometedoras sobre si mesmo na área de trabalho do computador? O cinema soa muitas vezes atrasado na representação do mundo tecnológico e virtual do século XXI. É preciso admitir que smartphones, computadores portáteis e Internet ilimitada transformaram não apenas a sociedade, mas também as narrativas cinematográficas destinadas a representá-la.
Cenas improváveis se multiplicam em Encontro Fatal. A desculpa da amiga Courtney (Maya Stojan) para não aparecer ao bar soa acessória demais; a brilhante advogada aceita sem contestar a conclusão vaga de seu próprio caso; as numerosas mortes ocorrem magicamente (nunca vemos os assassinatos ao vivo, apenas descobrimos os cadáveres). Sentindo-se ameaçada, a família prefere transitar pela casa escura ao invés de acender a luz. A filha Brittany (Aubrey Cleland) não possui função narrativa, servindo apenas para aumentar o perigo: com a garota em cena, Ellie tem mais entes queridos a perder. O roteiro está repleto de simplificações, conveniências e absurdos, reforçadas por um elenco de apoio bastante fraco. Maya Stojan exagera nos gestos como se estivesse numa comédia de terror, e Omar Epps perde inúmeras oportunidades de brincar com a dualidade sedução-opressão de seu personagem, resultando num adversário linear e previsível. Talvez outro ator fornecesse um contraponto cênico mais interessante à talentosa Nia Long, o melhor nome desta história. Ela transita entre a obstinação e a fragilidade, entre o desejo e o arrependimento, sem perder a postura corporal de uma mulher segura de suas escolhas. Ellie está cercada por homens frágeis, mornos, desinteressantes. Somando-se à policial Larson (Lyn Alicia Hendersen), à colega de trabalho Nicole (Kym Jackson), à poderosa chefe Janice (Carolyn Hannesy) e à independente filha Brittany, percebemos que as mulheres estão muito mais bem servidas neste filme do que os homens.
Narrativas sobre amantes incontroláveis, de Atração Fatal (1987) a Obsessiva (2009) e Paixão Obsessiva (2017), costumam carregar um ranço conservador, como se dissessem ao público: é errado trair, olha só o que pode te acontecer! Vale a pena arriscar a sua bela família (as famílias são sempre belas nestes casos) por uma pequena escapada? Segurem seus desejos, homens, porque mulheres são loucas, incontroláveis e facilmente apaixonáveis. Ora, apesar dos exageros e atalhos narrativos, o suspense de 2020 não julga moralmente a protagonista pela escapada, enquanto insere os ataques de David dentro de um quadro psiquiátrico preciso. Isso não equivale a desculpar o agressor, e sim a eliminar o maniqueísmo típico destas narrativas, enquanto volta o foco ao feminicídio e à masculinidade frágil, temas muito mais pertinentes aos nossos tempos do que as figura de mulheres que amam demais. Ellie não precisará ser salva por nenhum homem, e mesmo o desfecho envolvendo David, dentro de um filme tão afeito a símbolos, se torna memorável. O aperto de mãos, signo da cordialidade, é transformado em elemento de morte, enquanto as circunstâncias permitem que a força física da mulher se torne superior à do homem. Mesmo a questão de alturas (quem termina por cima, e quem fica literalmente por baixo) remetem à diferença entre ambos, à noção de vitória e derrota. Estes caminhos resultam num filme B mais agradável e respeitoso do que a média do gênero.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 5 |
Francisco Carbone | 1 |
MÉDIA | 3 |
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