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Sinopse

Trouble tem nome de problema, mas é um cachorro mimado que precisa aprender a viver no mundo real enquanto foge dos filhos gananciosos de seu antigo dono.

Crítica

O protagonista de EncrenCão é Encrenca (voz de Big Sean), pet mimado que vive na casa de uma idosa milionária. O clipe inicial serve para apresentar a rotina de incontáveis paparicos à qual o cãozinho está acostumado. O conflito é engatilhado pela morte da endinheirada, mas longe de deter-se na tristeza do bichinho de ligação forte com a falecida. Aliás, esse é um dos desperdícios da trama que troca de segmento como se fosse indispensável progredir ininterruptamente, em desabalada carreira, deixando para trás residual escasso, acumulando situações tampouco desenvolvidas com cuidado. O problema principal é a ganância dos sobrinhos que precisarão mostrar um bom relacionamento com o companheiro peludo da tia distante para herdar a considerável fortuna. Essa circunstância já foi bastante explorada nos cinemas, na literatura, nas séries de TV, no teatro, remetendo quase diretamente a Desventuras em Série, romance infantojuvenil de Lemony Snicket. Mas, aqui não há qualquer traço de coisas sombrias, controversas ou de algo além da ação.

EncrenCão dilui boas possibilidades numa lógica apressada, privilegiando a aventura por almejar uma comunicação direta com um público infantil. No entanto, seria exagero de condescendência fechar os olhos às suas fragilidades tendo em vista que a produção é pensada a um público, hipoteticamente, menos afeito a complexidades e afins. Pelo menos nos últimos 20 anos, testemunhamos a ascensão de estúdios e nomes que souberam encantar crianças, inclusive por não contemporizar diante das capacidades cognitivas delas, pelo contrário, as instigando com cenários passíveis de agradar aos adultos. Nesse sentido, o longa dirigido por Kevin Johnson opta pela filiação irrestrita a arquétipos recorrentes. Encrenca é cercado de personagens tão padronizados quanto ele. Temos a “mentora” que não confia nos humanos por um trauma do passado; os vilões caricaturais; a garota de bom coração que vem apanhando indevidamente da vida, cuja trajetória é afetada pela presença do cãozinho sem dono; os coadjuvantes que funcionam como gangue; o esquisito.

Essa predisposição por trabalhar a partir dos lugares-comuns, limitando-se aos seus contornos básicos, também está na estrutura do roteiro de Jordan Katz e Rob Muir. Uma vez deflagrada a missão confiada aos sobrinhos que não merecem a fortuna prestes a ser cruelmente apropriada, surge o rastreador excêntrico que, lá pelas tantas, se junta aos esquilos e forma um dos eixos da vilania. Aliás, os roedores surgem em cena valendo o quanto pesa uma piada: eles dançando, sincronicamente, a lá Michael Jackson e bailarinos. Todavia, a conjuntura é utilizada (sem variações, repetidamente) ao ponto de desgastar a graça. O efeito cômico perde a sua eficácia lá pela quarta vez em que os ladrõezinhos se balançam como se estivessem no clipe de Smooth Criminal. Zoe (Lucy Hale) aparece na jogada como aquela digna, não apenas do amor de Encrenca, mas também da fortuna que nem sonha existir. A mensagem é clara: a jovem sonhadora merece viver bem, ter uma casa nababesca e dinheiro ilimitado, pois pensa primeiro no afeto ao próximo, leia-se, no bem-estar do pet.

Porém, nem é a prevalência desse ensinamento, com tintas de lição de vida, o incômodo principal em EncrenCão, mas a completa falta de espessura. São muitos os núcleos amontoados. Existem os herdeiros gananciosos e escroques; os mencionados caçador e esquilos; o Encrenca; a menina que adota o cãozinho; a cadela ressentida que aprende a gostar novamente; o time dos cães do parque – cujo destaque é o paranoico –; os vira-latas soltos do abrigo. Gradativamente, novos personagens são inseridos impunemente, diminuindo o tempo para o espectador criar laços. Tecnicamente, a animação deixar a desejar em vários instantes, mas passa raspando nesse quesito tão importante. Como protagonista, Encrenca demonstra insuficiente tristeza pela distância da dona, não sendo motivado a retornar pela vontade de estar com ela (ignora a morte da idosa), mas pelo desejo de ter as mordomias. Isolado da realidade pelo dinheiro desproporcional, depois aprende como viver na rua, embora nem isso seja sublinhado porque sempre há alguém parta continuar o paparicando.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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