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Crítica


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Sinopse

Dois amigos precisam sobreviver a uma transação que envolve insetos alucinógenos e um traficante enraivecido.

Crítica

Selecionado para o 19º Fantaspoa, Engolidos traz como forças principais o desejo e o perigo. No começo temos a dança sensual que serve de despedida entre dois rapazes. Dom (Jose Colon) está triste porque seu melhor amigo, Benjamin (Cooper Koch), partirá em breve para tentar carreira na indústria pornográfica de Los Angeles – cidade marcada por abrigar os sonhos hollywoodianos e ser agradável pela predominância do clima quente. Aparentemente, o filme vai lidar de modo velado com o tesão de um pelo outro, mas não demora para Dom, jovem supostamente heterossexual, anunciar que não transou com Benjamin apenas porque o ama demais (?). A confirmação verbal não acrescenta muita coisa à relação, pelo contrário, pois alguns não ditos poderiam fazer bem como alimento de certa aura de mistério (positiva numa história de suspense que flerta timidamente com o horror). Desde esse princípio é perceptível a ausência da visceralidade, da noção de alguma coisa enraizada ou de forças que poderiam romper as membranas das aparências. Ao encarar esse homoerotismo que antecede a violência, o cineasta Carter Smith é pudico e ao mesmo tempo declamatório: por um lado, escancara o desejo entre os amigos e, por outro, não sinaliza em gestos e comportamentos esse algo latente. Trocando em miúdos: tudo o que os personagens dizem sentir é mal transferido ao espectador.

Assim como o desejo, o perigo aparece enfraquecido por uma série de opções aparentemente determinadas a esconder os elementos extremos. Dom e Benjamin são arrolados numa transação com substâncias ilícitas, obrigados a engolir pequenos papelotes que devem ser evacuados no local de entrega. E como eles embarcam nisso? Por conta da iniciativa de Dom para ajudar o amigo, ao lhe dar algum dinheiro para subsistir em Los Angeles se as coisas não derem certo. No entanto, depois que essa motivação é anunciada, pouco dela sobra no decorrer da trama. Não há o desenvolvimento desse amor desesperado de Dom por Benjamin, pois o realizador substitui essa dinâmica que parecia fundamental por uma sucessão de eventos que colocam a vida de ambos em risco. A grande jogada de Engolidos é a revelação do que os “mulas” estão ingerindo, ou seja, com que tipo de matéria os traficantes estão enriquecendo. No entanto, a natureza da mercadoria não é tão relevante, sequer como forma de acentuar o perigo enorme que ambos correm – sobretudo por estarmos falando de uma carga viva. Carter Smith perde outra oportunidade valiosa ao praticamente desprezar que os protagonistas não são meros veículos para algo que não deve ser detectado pelas autoridades, mas hospedeiros. Não espere o desespero dos infectados da Saga Alien ou algo semelhante. É tudo muito mais leve.

Especialmente o gore, esse subgênero do horror com cenas intensas e violência explícita, utiliza a repulsa como estratégia para acentuar a sensação de desconforto do espectador. Em Engolidos, há diversos momentos em que os personagens mencionam coisas e situações potencialmente escatológicas, como enfiar a mão no reto de alguém para extrair a carga indesejada ou mergulhar o desafeto na latrina cheia de merda. Porém, o cineasta Carter Smith parece fugir como o diabo da cruz desse tipo de visão, sempre tendo uma carta na manga para ficar num meio termo desconfortável entre sugerir e mostrar esses elementos. Em princípio, nada contra filmes que contornam nojeiras e afins, mas nesta produção norte-americana é evidente um “morde e assopra”, ou seja, a menção às nojeiras e a imediata higienização da imagem para elas não soarem incômodas demais. Um exemplo evidente dessa “timidez” é a cena em que os protagonistas são confrontados por um caipira homofóbico no banheiro de beira de estrada. A direção de arte assinada por Jay Carroll presta um desserviço ao propor um cenário praticamente insípido, em muito distante da imundice que um dos personagens repudia. Então, é dito que o banheiro é sujo, mas ele é limpo; os resíduos de algo retirado do ânus geram nojo nos personagens, mas parecem gel para cabelo; a violência é desprovida de veracidade e força.

Outro problema crucial de Engolidos é o fato de que pouco importam as características pessoais dos personagens ou o que eles anunciam ser/desejar. O fato de Benjamin ser um aspirante a astro pornô realmente pouco interfere na trama, nem ao menos realçado quando ele precisa fingir desejo pelo algoz a fim de tentar escapar de uma morte quase certa. O amor enrustido de Dom por Benjamin simplesmente deixa de ser relevante quando o apaixonado é reduzido a um corpo em êxtase com ereção de horas (às vezes mostrada de relance). Jena Malone, a atriz mais famosa do elenco, se desvira com um papel pobre, de apenas um tom que, quando muito, apresenta um súbito ataque de consciência que em nada combina com essa intermediária dos narcotraficantes. A premissa é interessante, os caminhos tomados têm potenciais, os panos-de-fundo poderiam conter algo instigante, mas o filme se torna refém de suas escolhas do que mostrar ou não – o que também gera afetos e desafetos com baixa credibilidade. É difícil acreditar no medo e no tesão que os personagens sentem, por exemplo. E é incômoda a pegada higiênica da direção. O cineasta está mais preocupado em atingir um público amplo (avesso a suscetibilidades) do que em mergulhar nas consequências dessa jornada masculina. Por fim, o histriônico vilão LGBTQIA+ somente reforça um estereótipo há muito ultrapassado no cinema.

Filme visto durante o 19° Fantaspoa: Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, em abril de 2023

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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