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Sinopse

Logo após o enterro de um cidadão que cometeu suicídio, Arnaldo é questionado qual seria o motivo dessa tragédia. Suspeitava-se que o morto era amante da filha, Engraçadinha, mas um padre descobre que ela tinha se apaixonado por Sílvio, seu meio-irmão.

Crítica

Nelson Rodrigues é, sem dúvida, um dos escritores que mais teve suas obras adaptadas pelo cinema nacional, sendo que em 1981 foram lançadas três delas: Bonitinha, Mas Ordinária e Álbum de Família, ambas dirigidas por Braz Chediak, e este Engraçadinha, de Haroldo Marinho Barbosa. Baseado no livro Asfalto Selvagem: Engraçadinha, Seus Pecados e Seus Amores – que já havia sido transportado para as telas por J.B. Tanko em Asfalto Selvagem (1964) e Engraçadinha Depois dos Trinta (1966) – o filme de Marinho Barbosa é focado na primeira parte da história escrita por Rodrigues sobre a personagem-título, interpretada por Lucélia Santos, uma adolescente bela e voluptuosa - a figura da ninfeta típica do imaginário do autor - com toques da Lolita de Vladimir Nabokov.

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O longa abre mostrando o funeral do pai de Engraçadinha, o respeitado Dr. Arnaldo (José Lewgoy), que cometeu suicídio após descobrir a gravidez da filha. Devido a rumores de que a criança seria fruto de uma relação incestuosa com o recém-falecido, a garota é levada à presença de um padre para que se confesse. É assim, então, através de flashbacks, que o espectador é apresentado aos fatos. Noiva do simplório Zózimo (Daniel Dantas), Engraçadinha nutre uma ardente paixão por seu primo Sílvio (Luiz Fernando Guimarães) que, por sua vez, é noivo de Letícia (Nina de Pádua), amiga de infância da protagonista. Após seduzir o primo durante sua festa de noivado, Engraçadinha simula uma gravidez, o que leva Arnaldo ao desespero e a revelar um grande segredo: que Sílvio é na verdade seu filho de um relacionamento extraconjugal e, portanto, meio-irmão de Engraçadinha.

Todos os elementos clássicos do universo rodrigueano estão presentes aqui: a imoralidade, a sordidez e a hipocrisia da sociedade, em particular a da burguesia carioca. Suas críticas a esses aspectos nefastos da humanidade aparecem com ironia já na citada cena do enterro, quando o orador vivido pelo grande Cláudio Corrêa e Castro realiza um solene discurso exaltando o caráter de Arnaldo, construindo uma imagem para o personagem que é desfeita completamente ao longo da projeção. Tendo dirigido anos antes o curta documental À Nelson Rodrigues (1978) e sendo um conhecedor notório da obra do escritor, Haroldo Marinho Barbosa adota um tom que se difere um pouco de outras adaptações do “Anjo Pornográfico” do mesmo período, como as realizadas por Neville D’Almeida, por exemplo.

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Mesmo tratando de temas como incesto e lesbianismo, e tendo personagens guiados basicamente pelo desejo, o diretor se mostra comedido em relação ao exagero e à vulgaridade intencional presentes no texto de Rodrigues. Seja no discurso ou esteticamente, Haroldo Marinho oferece um retrato mais formal e se aproxima da linguagem teatral, trabalhando com poucos ambientes externos e centrando quase toda a ação nos cômodos da mansão da família de Engraçadinha. O humor irônico surge apenas de modo pontual, privilegiando o viés trágico e melodramático da trama. Essa escolha do cineasta exige que todo o peso das reviravoltas e revelações seja transmitido com o máximo de intensidade, algo que nem sempre acontece, em parte devido a atuações hesitantes de alguns nomes do elenco.

É o caso de Luiz Fernando Guimarães, que não demonstra plena segurança para encarnar o comportamento contraditório de Sílvio e os sentimentos antagônicos – a paixão e o desprezo – que sente por Engraçadinha. O mesmo vale para Nina de Pádua que soa pouco natural numa personagem complexa e que, mesmo quando são expostas as motivações que justificam as ações questionáveis de Letícia, não consegue ser totalmente convincente. Felizmente Lucélia Santos faz de sua Engraçadinha uma figura crível e envolvente. Exalando uma sexualidade latente, a atriz – premiada no Festival de Brasília pela atuação - exibe grande desenvoltura num papel repleto de nuances, já que mesmo ciente de seu poder – vide a bela cena em que seduz Sílvio na biblioteca – ela o utiliza, se não com inocência, com sinceridade, pois o faz em nome de um amor verdadeiro.

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Além da libidinosa e cativante interpretação de Lucélia, temos também um José Lewgoy impecável como Arnaldo, que tenta manter as aparências e defender valores morais, mesmo sendo ele o grande responsável por destruí-los. A complicada relação entre pai e filha e os dilemas éticos do personagem ganham vida em ótimas cenas – como a da surra que aplica em Engraçadinha e o encontro com o ginecologista. Outros que merecem destaque são Wilson Grey, divertidíssimo como o juiz Odorico Quintela, e Nelson Dantas em breve aparição como o ginecologista Dr. Bergamini. Marinho Barbosa comanda bem seus atores e, mesmo ostentando uma direção convencional, é capaz de conceber alguns belos planos, como o de Engraçadinha e Letícia aguardando Sílvio na cama ou aquele em que a protagonista se confessa com o padre. Esta última sequência mencionada, que surge nos minutos iniciais, se repete ao final, ganhando uma nova leitura e gerando maior impacto. São mais momentos como esse que faltam para elevar a força do conjunto do longa que ainda assim consegue honrar sua fonte inspiradora.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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