Enquanto Estamos Aqui
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Clarissa Campolina, Luiz Pretti
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Enquanto Estamos Aqui
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2019
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Brasil
Crítica
Leitores
Sinopse
Um diário de viagem de duas vidas que se cruzam em Nova York. Lamis, uma libanesa, acaba de se mudar para a cidade e descreve suas impressões, enquanto o brasileiro Wilson já mora lá há 10 anos. Nunca os vemos na tela, mas o relacionamento deles é descrito por meio de dublagens poéticas em árabe e português, que contrastam fortemente com as imagens —filmadas em Nova York, Berlim e Brasil. Desta maneira, o filme aguça a imaginação, já que os eventos ocorrem entre o que vemos e o que ouvimos.
Crítica
A cidade de Nova York apresentada no início deste documentário não é aquela dos cartões postais. Enquanto atravessa uma ponte, uma mulher libanesa, presente apenas pela voz, afirma que a Estátua da Liberdade é muito menor ao vivo do que nas imagens. Em seguida, Berlim e cidades brasileiras tampouco serão vistas como locais de turismo. A Nova York dos diretores Clarissa Campolina e Luiz Pretti é aquela dos metrôs lotados com pessoas dormindo nos bancos, a dos prédios idênticos com seus tijolos vermelhos, das pequenas lanchonetes funcionando noite adentro. Existe uma atmosfera de sonho, é certo, porém esta não é uma idealização da fuga rumo a um lugar perfeito, apenas o encontro com um espaço de estranhamento.
Enquanto Estamos Aqui narra uma história de amor, ou talvez seja melhor dizer, uma história de encontros e desencontros – entre a libanesa Lamis e o brasileiro Wilson, entre o Ocidente e o Oriente, e também entre o som e a imagem. Os dois protagonistas jamais são vistos em tela: escutamos apenas a voz deles. Na verdade, trata-se de vozes, que incluem narrações dela, dele, da mãe dele, e sobretudo de uma narradora “oficial”, onisciente e literária, capaz de descrever tanto fatos quanto sentimentos. Ao invés de tantas narrações redundantes, que se contentam em ilustrar a imagem, aqui a banda sonora se torna o personagem por excelência, o fio condutor. Mesmo que haja pequenas aproximações entre o conteúdo narrado e aquele mostrado em tela, este documentário se articula essencialmente pela desconexão entre o som e seu referente.
Isso significa que o espectador é convidado a criar suas próprias imagens, imaginando Lamis e Wilson quando nos é dado o cenário, inserindo os personagens invisíveis em camas bagunçadas ou cruzamentos pelas ruas. O fato de não revelar a dupla central produz ao mesmo tempo um efeito fantasmático e um convite à projeção: o espectador pode colocar um pouco de si em cada uma daquelas evocações de natureza universal, imaginando-se no lugar destes personagens cujos conflitos envolvem o amor, a solidão, as dificuldades no trabalho, as doenças na família. Grace Passô, como narradora, canaliza um estilo muito semelhante àquele empregado em Sem Sol (1983), obra-prima de Chris Marker. A atriz narra como quem enuncia dados objetivos, porém através de uma voz melancólica e distante, que não se altera jamais em função do conteúdo narrado. Trata-se de uma leitura ao mesmo tempo muito doce e muito bruta, o que empresta ao filme brasileiro a aura hipnótica do clássico francês.
Enquanto isso, nas imagens, misturam-se as fotografias still, os vídeos profissionais e os vídeos amadores. Em alguns momentos, filma-se cenas tão inertes que o espectador pode se questionar se está presenciando uma fotografia estática ou um vídeo em movimento. As passagens do tempo são sugeridas por um mesmo lugar filmado/fotografado diversas vezes (o semáforo no cruzamento da avenida), dentro de uma cidade que não valoriza as pessoas, e sim os espaços vazios e massificantes. Existe uma impressão de cansaço neste local onde as situações não parecem mudar, onde os dois imigrantes são acolhidos sem qualquer forma de estabilidade. É uma cidade onde as pessoas dizem “Está tudo bem”, sem estar de fato, apenas para evitarem o desgaste dos detalhes e das lamentações. Segue-se em frente, até porque não existe alternativa. O filme enxerga nos deslocamentos o avesso do “espírito empreendedor” pregado pelo novo capitalismo: Wilson e Lamis não batalham por enriquecimento, apenas por um lugar de pertencimento.
Embora a atmosfera de sonho soe desconectada de um tempo preciso, a narração nos lembra de que tudo ocorre “no presente, sempre no presente”. De fato, ignora-se o passado e, principalmente, o futuro dos dois imigrantes. A narrativa evoca flashes de um tempo preciso, enquanto acontecem, colando o espectador a uma trama não conduzida a um lugar preciso, para o prazer dele. “Tiraram-me tudo, e no entanto ainda me sobra muito”. Esta é uma das únicas referências de Lamis a seu passado, numa frase que serve para descrever, na verdade, o filme em que se encontra. Enquanto Estamos Aqui retira-nos os rostos dos protagonistas (e como fazem falta, os rostos humanos!), a noção de finalidade da narrativa, a esperada referencialidade entre som e imagem, a perspectiva de uma catarse e dos conflitos tratados como transformações irremediáveis. Ainda lhe sobra uma forma de lirismo impregnante, tão rico em sua construção quanto em sua desconstrução.
Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 8 |
Alysson Oliveira | 8 |
MÉDIA | 8 |
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