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Crítica


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Sinopse

Casados há quase 30 anos, Grace e Edward moram numa pequena cidade costeira. Assim que o filho deles chega para uma visita, Edward anuncia ao menino que pretende deixar Grace exatamente naquele dia.

Crítica

Escritor duplamente indicado ao Oscar – concorreu pelos roteiros de Terra das Sombras (1993) e de Gladiador (2000) – William Nicholson levou mais de vinte anos entre sua primeira e a segunda incursão como realizador. E entre À Luz do Fogo (1997) e Enquanto Houver Amor o que se percebe é um cineasta maduro, que deixa de lado os dramas épicos para se concentrar em sentimentos e reações muito mais íntimas e, por isso mesmo, duradouras. É certo que, diante de uma proposta como essa, de entrega quase teatral, o resultado acaba dependendo tanto dos diálogos como daqueles responsáveis por defendê-los em cena. Uma conjunção aqui percebida em um trio de grande sintonia, ainda que por vezes se mostrem mais afiados do que as palavras que se veem obrigados a entoar.

Grace (Annette Bening, cada vez mais disposta a deixar de lado o glamour hollywoodiano do qual faz parte em nome de personagens desafiadores e nada óbvios) e Edward (Bill Nighy, que combina uma apatia que lhe é característica com uma deficiência intrínseca ao tipo que vivencia) são casados há décadas. Ambos intelectuais, passam seus dias entre os compromissos profissionais – ele é professor, ela pesquisadora – e obrigações bastante similares, mas as quais desempenham mais por prazer do que por necessidade. Como ela leva suas tardes em frente ao computador, é quando ele chega em casa que o ritual diário se dá: o preparo do chá, a divisão das canecas, as trocas rápidas de palavras, quase protocolares. Há uma inquietação na esposa que o marido há muito abandonou. Não chega, no entanto, a se manifestar como animosidade. Apenas não se importa mais.

Segundo o próprio, não é também por falta de tentativa. Como chega a declarar quando questionado, foi pelos padrões da companheira serem altos demais, um nível que ele, por mais que acredite ter almejado, nunca tenha conseguido alcançar. Assim como a maioria das coisas da vida, em algum momento quase ao acaso uma outra mulher cruzou seu caminho, a mesmo que não estivesse à procura, tudo passou a lhe fazer sentido. Portanto, partir nem chegava a ser uma opção, e, sim, o único caminho possível. Quando, enfim, a decisão se torna imperativa, é no filho que recorre em busca de ajuda. Ao chamar Jamie (Josh O’Connor, fazendo o seu melhor diante de um tipo que a trama não consegue se decidir em fazer dele protagonista ou mero coadjuvante) para uma visita, o pai também relega ao jovem a tarefa de cuidar da esposa prestes a ser abandonada. O trato com a figura feminina resulta problemático, pois se mostra menos interessado em vê-la como um ser complexo e mais como uma dificuldade a ser superada. Um visão simplista, na melhor das hipóteses.

Com Nighy fora de cena e Bening relegada a ataques de incredulidade e crises de insegurança, quando envolto pelo drama familiar será O’Connor o pilar desse cenário, pois através dele ficará evidente que a realidade que agora se apresenta há muito vinha se construindo. Há questionamentos a respeito de sua decisão de ter deixado a casa dos pais e ido morar sozinho numa cidade distante. O que poderia soar até como lógico – afinal, deixou o vilarejo da infância para ir em busca de melhores oportunidades profissionais em um centro urbano maior, é o que se depreende – acaba por levantar dúvidas, a partir de outras provocações, como o fato de permanecer solteiro e a ausência de ambições consistentes. Há material a ser explorado. Mas a impressão é de uma vontade em apontar direções, sem o ânimo exigido para percorrê-las.

Segundo declarações do próprio diretor, Enquanto Houver Amor foi inspirado em sua vida pessoal e na separação dos pais, também ocorrida de forma inesperada para quem os via de longe, mas lógica para aqueles no meio do turbilhão familiar. O que lhe falta é o distanciamento necessário – ainda que tantos anos tenham se passado – para uma abordagem mais reflexiva e menos distraída por perguntas deixadas sem resposta e possibilidades que nunca chegam a se concretizar. O elenco sabe não ter diante de si personagens fáceis, e essa complexidade é explorada a contento. É uma lástima, portanto, tal esforço não ser empregado no sentido de investigar os por quês, como se as consequências fossem suficientes para ilustrar uma lista de motivações que, longe de gratuitas, acabam mal interpretadas justamente pela ausência de um contexto que saiba como exprimi-las à altura das expectativas. O terreno era fértil. Mas a colheita se mostra árdua.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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