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Sinopse

Enquanto o Céu Não Me Espera tem como protagonista um humilde agricultor, ligado às memórias do pai, luta para permanecer com a família em seu pequeno sítio, apesar das dificuldades impostas pela cheia dos rios amazônicos. Selecionado para o 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (2024).

Crítica

É maravilhoso presenciar a regionalização do cinema brasileiro. Afinal, o país é mais do que São Paulo e Rio de Janeiro, com algumas eventuais manifestações no Rio Grande do Sul, Minas Gerais ou Pernambuco. É de se reconhecer que há muito o que contar no Distrito Federal, em Goiás, no Ceará, em Tocantins, em Roraima e até mesmo no Acre. Os mais recentes vencedores dos principais festivais nacionais, como Gramado e Brasília, apontam para essa realidade. Afinal, é somente por meio da quantidade que a qualidade se faz presente. A Floresta Amazônica, um dos orgulhos da nação, também tem se esforçado para se inserir neste contexto. Enquanto o céu não me espera é, portanto, um exemplo neste sentido. É de se lamentar, por maiores que sejam os méritos aqui reunidos, que no conjunto o longa se apresente ainda numa primeira fase, aquela que indica a necessidade de volume, mas não ainda revele avanço suficiente para se inserir num ponto posterior, quando o valor do discurso reunido fala por si.

Há motivos suficientes para se dedicar uma atenção renovada diante do longa dirigido por Christine Garcia. E estes, felizmente, estão além do simples fato já apontado nessa frase de abertura: de se ter uma mulher na direção, algo que, lamentavelmente, ainda não é comum no Brasil. Garcia sabe bem o que busca, e o esmero técnico para alcançar os resultados perseguidos é impressionante. Afinal, está se falando de uma história que, lentamente, vai sendo inundada, tanto por sentimentos, como pelas águas dos rios amazônicos. A cheia vem se aproximando impreterivelmente, como se nada mais pudesse ser feito, por mais que os personagens rezem com todo o afinco que lhes é possível pela reversão desse movimento. Mas a eles nada cabe. Apenas respeitar a ordem natural das coisas. E a essa se sujeitar, permanecendo, ou dela esquivar, partindo. Os dois caminhos podem soar radicais. Mas também resultam em sobrevivência. Se não pela fé, que seja pela razão.

Vicente (Irandhir Santos, competente como de costume, desaparecendo por trás de um homem movido pela obstinação em não se dar por vencido) é um pequeno agricultor que sobrevive – ele e a família que dele depende – do plantio da juta, numa região ribeirinha. A temporada anterior não foi das melhores, portanto as apostas de recuperação recaem no período que está por vir. Mas, para isso, a chuva precisa dar descanso, o rio tem que baixar e a colheita ser feita a contento, sem perdas, para que nenhum ganho se mostre desperdiçado. Mas Rita (Priscilla Vilela, de Sideral, 2021), a esposa, está cansada. Ela não aguenta mais esperar. Ir embora não é mais uma condição, se faz cada vez mais uma urgência. Vilela, assim, se revela a força condutora dos acontecimentos. É ela que confirma a insatisfação, que expressa o desejo por mudança, que clama ao companheiro um chamado ao presente. A família há muito depende dele, mas o que fazer quando o homem se mostra decidido a se enterrar na cegueira e no abandono. O estado ali não existe, ninguém chegará por eles. É preciso que se salvem uns aos outros. Mas, antes disso, há de se reconhecer a necessidade de agir.

Enquanto o casal vive às turras, os demais que ao redor deles se encontram vão sendo, lentamente, afogados. O patrão faz pouco caso do drama que enfrentam. A dona do único armazém da região faz vista grossa ao desespero que deles se aproxima, como se não fosse ela a próxima. Os filhos pouca independência possuem, e qualquer iniciativa própria poderá resultar num alto custo. Já a menina que vive do sexo, mas no trato social se mostra ingênua em demasia, é vista como um anjo da salvação, uma figura que ali não se encaixa, por mais que insista em permanecer. Este poderia ser um filme sobre as mulheres, como essas que, tradicionalmente, são vistas como coadjuvantes, mas que dessa vez se eximem de sucumbir à loucura dos homens e a eles se sobressaem, descobrindo, por si e para os seus, uma maneira de continuar. Mas Garcia abre mão desse percurso, demonstrando-se interessada em seguir um caminho há muito trilhado, aquele próximo da incompetência e inabilidade masculina. O reforço tem sua valia, isso é certo. Mas também pouco acrescenta ao que muito se sabe e reconhece a esse respeito.

É de se validar o esmero técnico dessa realização. O avanço das águas é também literal, e por mais da metade de Enquanto o céu não me espera o elenco se verá com parte de seus corpos submersos, em um duelo do homem contra a natureza bastante próximo daquele enfrentado pelos personagens. É perceptível, no entanto, que tamanha dedicação em tornar realidade algo que parecia impossível de ser alcançado exigiu um preço, e esse se manifesta numa ausência de maiores nuances, em resoluções drásticas, em uma ausência de alternativas ao que se mostra inevitável. A fatalidade é, portanto, mais poética do que concreta, feita por meio de movimentos abruptos, retiradas de cena que se dão sem aviso, ausências sentidas, mas sem o devido tempo para que se possam lamentá-las. Enquanto isso, aquele que pensa que tudo pode vai se perdendo, se afastando, se deixando para trás. Assim como o discurso, ainda dono de muita força, mas distante do potencial que por vezes anuncia ter, sem nunca dele se aproximar com efeito.

Filme visto durante o 57º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em dezembro de 2024

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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