Crítica
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Crítica
Retratando uma curiosa crise de meia idade de um casal inserido no meio da produção de documentários, Enquanto Somos Jovens discute através do compromisso ético com a verdade do tipo de filme produzido por Josh (Ben Stiller) e Cornelia (Naomi Watts) as diferentes noções de moralidade entre gerações. Ao mesmo tempo, o diretor Noah Baumbach consegue desenvolver um drama descontraído – quase uma comédia – que também pincela o cruzamento entre jovens e adultos e suas constantes tentativas de alcançarem um o estado do outro.
Vivendo já uma vida pacata e amplamente criticados pelos amigos por ainda não terem tido filhos, Josh e Cornelia parecem surpresos que sua última “aventura” tenha sido uma viagem para Roma anos atrás. Obviamente acomodados em suas rotinas e temerosos em aceitar que não são mais o casal jovial que foram outrora, os dois acabam conhecendo os enamorados Jamie (Adam Driver) e Darby (Amanda Seyfried), que são o que se convencionou chamar de hipsters, com gostos como iogurte caseiro, discos de vinil e galinhas como animais de estimação em apartamentos rústicos. A partir daí, não importa o quê, tudo o que “Jamie e Darby” fazem é “descolado” e “maneiro”, e não demora até que Josh comece a andar de bicicleta e usar chapéus, enquanto Cornelia inicia aulas de street dance e passa a escutar músicas alternativas, abandonando a imersão virtual proporcionada por seus celulares e tablets junto com os velhos amigos.
Logo Josh descobre que ele e Jamie tem bastante em comum, apesar de serem as diferenciadas atitudes do outro que o torne tão fascinante para o professor. O garoto quer se tornar um documentarista como o próprio Josh e seu sogro, o soturno pai de Cornelia vivido com sutileza por Charles Grodin, com quem o personagem de Stiller não tem a melhor das relações. Porém, tudo parece se encaixar perfeitamente demais na relação entre os dois, a ponto do protagonista começar a suspeitar que sua amizade com o casal pode não ter acontecido assim tão casualmente.
Pra começar: o documentário é provavelmente a única forma “superior” de cinema que existe. Ele não é jornalismo e também não é narrativa ficcional: é uma arte diferenciada dentro do audiovisual que, se executada com cuidado, se prova ser, com a mesma estrutura de um drama comum, muito mais poderoso por ter do seu lado o fator ‘realidade’. Um documentário tem o compromisso com o real, algo que o diferencia de filmes comuns, porque tem trabalhando a seu favor a verdade. Uma trama como a de Dear Zachary, por exemplo, poderia dar o pior e o melhor filme possível, e em qualquer um dos casos nenhum deles seria tão marcante quanto é tendo uma abordagem documental, pois o simples peso de sabermos que aquilo sobre o que a produção fala aconteceu de fato muda a nossa percepção por completo, tornando o processo de absorção da narrativa vezes mais chocante do que seria como ficção, mesmo se conduzida com maestria.
Mas para se alcançar esta veracidade, o que é eticamente aceito? Jamie, um jovem que busca através do desapego da modernidade alcançar a pureza de métodos mais arcaicos, acaba se revelando incapaz de fugir dos recursos proporcionados pela tecnologia para alcançar os seus ambiciosos objetivos. Ele é a representação da nova geração que já nasceu exposta às redes sociais e sintomaticamente tem desenvolvido cada vez mais o seu lado dissimulado como perigoso meio de sobrevivência social. Nem tudo o que mostram as fotos no Facebook e no Instagram representa precisamente as pessoas por trás daqueles perfis. É tudo uma questão de status e de parecer resultado do próprio esforço. Tornou-se, inclusive, um sinal de fraqueza admitir que a escalada social é feita sobre os degraus colocados lá pela geração anterior. Ser dissimulado só com os próprios concorrentes não é mais suficiente, e impor sua independência aos pais, aos professores e aos pioneiros e fazer de si mesmo uma destas figuras tornou-se imperativo para sobreviver na selva moderna. A verdade é o que sobrou na edição da foto postada, as palavras que não tiveram que ser excluídas dos 140 caracteres do seu tweet, e por que não, é a montagem final do seu documentário. O entorno não importa, ele ficou na realidade de verdade, que não está indexado a site nenhum.
É aí que entra a figura de Josh, que acredita que a veracidade parte desde o método, não porque este importe pro resultado final artístico de um documentário, mas porque diz muito sobre as pessoas que o realizaram. Por isso é inteligente que o diretor e roteirista Noah Baumbach nos mostre o desenrolar das ações sob a perspectiva do documentarista, para que cheguemos ao clímax entendendo sua frustração por ter sido enganado. De outra maneira, concordaríamos com Jamie facilmente, perdoando suas falhas de caráter em detrimento de seus objetivos, que não deverão soar estranhos a ninguém. Josh é o nosso herói, ele não está ali para salvar a pureza da feitura de um filme, mas para resgatar a integridade e a verdadeira honestidade que todos, inclusive a sua própria geração, imersa em joguinhos de telefone e rotinas enfadonhas, parecem ter esquecido com o deslumbramento da própria criação.
Ben Stiller segue novamente a linha que adotou em A Vida Secreta de Walter Mitty (2013), desenvolvendo com lucidez o seu determinado e convicto personagem, enquanto cria uma química belíssima com Naomi Watts e mesmo com Adam Driver (ótimo). Deveria se dedicar somente a este tipo de projeto. Por fim, a mensagem fica clara: ser jovem não significa ser descolado e maneiro, fazendo besteiras que se justificam pelo números de curtidas e compartilhamentos – ou filmes ruins que se justificam pelas bilheterias e prêmios. O bom jovem, como um bom documentário, é qualquer um que seja real, e não “real”.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Yuri Correa | 9 |
Ailton Monteiro | 6 |
Francisco Carbone | 8 |
MÉDIA | 7.7 |
Acredito que existe uma troca nessas diferenças de gerações, no filme deixa, até certo ponto, claro isso. Mas no desenrolar da película fica claro que essa troca não é fazer o que outro faz, pois cada geração tem suas características e modos de interagir com mundo atual. Concordo que ser jovem não é ser descolado, assim como ser velho também não significa não estar antenados ao movimento atual.