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Sinopse

Precocemente condenado por uma doença agressiva, um homem testemunha o sofrimento de sua mãe, além da dedicação dos médicos e da equipe de enfermagem. Ao longo de quatro estações, todos terão de se acostumar.  

Crítica

Há premissas naturalmente dramáticas e talvez nenhuma delas seja tão propícia à comoção do que alguém lutando contra uma doença terminal. Mas, muito se engana quem acredita ser suficiente colocar um personagem diante do inevitável para que um filme, uma série de TV, uma peça de teatro e/ou um livro sejam automaticamente emocionantes. Aliás, é bastante comum que uma parcela considerável do público questione: “mas como é possível o crítico não se emocionar com uma história dessas?”, esquecendo-se de que a forma é tão ou mais importante do que o conteúdo. Em Enquanto Vivo, a cineasta Emmanuelle Bercot tem como protagonista Benjamin (Benoît Magimel), professor de teatro diagnosticado com um tipo agressivo e incurável de câncer. Em vez de demarcar didaticamente todos os passos meio óbvios depois de uma revelação dessas – tristeza, um longo período para se acostumar e, por fim, uma resignada aceitação –, a realizadora (também uma das roteiristas) prefere se focar nos detalhes dos elos humanos que vão se formando, consolidando, sendo reformulados e/ou resgatados ao longo de uma jornada entrecortada por breves lacunas que diluem um pouco a nossa percepção do tempo. Além disso, há um elogio dos poderes da arte e de uma medicina atenta ao aspecto humano. Tais sinalizações servem basicamente de parâmetro à leitura dos demais acontecimentos.

Em torno da dor inicialmente solitária de Benjamin, estão vários personagens cujos comportamentos servem para ampliar essa ideia tão difundida pelo filme de que mesmo o sofrimento mais profundo pode ser aliviado quando estamos cercados de pessoas amadas e que se importam verdadeiramente conosco. Uma delas é a mãe do protagonista, Crystal (Catherine Deneuve), mulher que permanece praticamente durante toda a trama deixando "escapar" sutilmente os seus próprios conflitos diante da iminente morte do filho. É a partir dessa percepção elegante de seus sentimentos, de suas contradições e das questões a resolver que percebemos com mais clareza a intensidade dramática que Emmanuelle Bercot imprime nessa trajetória convidativa à emoção. Nas entrelinhas dos diálogos habilmente travados e da troca de olhares repletos de significados, é possível perceber que há inúmeros senões entre o doente e a sua atenciosa mãe. As mágoas do passado ganham novos significados e pesos, já que uma das partes está prestes a partir. E, além da encenação que elabora bem essa gama de elementos, visando o nosso engajamento afetivo, o resultado não seria possível sem as atuações excepcionais de Benoît Magimel e da maiúscula Catherine Deneuve. Os dois esbanjam densidade e humanidade em suas composições atentas às turbulências dos estados de ânimo de personagens em luta. Longe de colocar as emoções para fora, eles trabalham num registro mais pautado pela contenção até o limite.

Vamos resgatar a ideia do elogio do poder da arte. Benjamin é professor de teatro e aparece guiando aprendizes pelos rumos misteriosos da arte. Seus exercícios ganham camadas cortantes porque sabemos que o homem à frente dos ensaios e tentativas tem plena consciência do pouco tempo de vida que lhe resta. Emmanuelle Bercot sublinha o efeito simbólico que isso tem em Benjamin – e somente nele, pois os alunos desconhecem seu estado clínico –, sobretudo durante a encenação dos últimos momentos de amantes que nunca mais se encontrarão. A câmera se detém nos impulsos, presta atenção a determinados gestos emblemáticos (demonstrações breves de desespero, uma aceitação dolorosa, um olhar perdido no futuro do pretérito), mas com especial dedicação às mãos que se desligam lentamente. Esse movimento hesitante prenuncia uma saudade precoce, algo que se refere ao que Benjamin está passando física e psicologicamente. Especificamente nesses instantes, Enquanto Vivo estabelece uma relação muito bonita entre a tragédia pessoal do protagonista e a forma como ele escolheu se expressar pessoal e profissionalmente como um artista. Os adolescentes e/ou recém-adultos pavimentam a partir desses ensinamentos um futuro que a doença desgraçada e estúpida nega ao mestre. A cena da menina contracenando com ele no hospital é o ápice dessa lógica forte, marcada pelo questionamento insinuante a respeito do que seria o conceito de “presença”.

Outro resgate que se faz necessário é o do elogio de uma medicina mais humana. Nesse sentido, se destacam o Dr. Eddé (Gabriel A. Sara) e a enfermeira Eugénie (Cécile De France). O primeiro é um exemplo de sensibilidade no trato com os pacientes. Ele é fiel ao pacto de lealdade estabelecido com os doentes, além de alguém que escuta/enxerga as dificuldades dos colegas. A segunda é aquela que se deixa levar por um sentimento imprevisto que fornece pílulas de alento a Benjamin em seus últimos fôlegos. E Emmanuelle Bercot não enfatiza o que é dramático por natureza, ou seja, não reforça escancaradamente tudo o que envolve uma doença terminal. Ela dilui sinais e etapas ao longo da leitura dos vínculos, inclusive demonstrando sensibilidade ao trazer para essa equação o filho renegado na adolescência que faz questão de estar no mesmo território do pai moribundo. Fosse uma realizadora menos delicada e atenta, certamente ela promoveria encontros catárticos e embebidos em lágrimas torrenciais. No entanto, Bercot prefere cultivar a sensação de luto perpassando lentamente os personagens no entorno do protagonista. Talvez, não precisasse de tantas cenas que reiterassem o profundo respeito médico frente à batalha travada pelos desenganados, mas esse acúmulo não chega a comprometer o lindo resultado. O tabu da morte é aqui encarado com uma doçura melancólica e um respeito profundo às dores de quem vai e de quem fica.

Filme visto no 12º Festival Varilux de Cinema Francês, em novembro de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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