Crítica
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Sinopse
Isra e Cheíto são dois irmãos ciganos que, muito jovens, trilharam caminhos diferentes, apesar do carinho mútuo. Após Isra cumprir sua pena na prisão por tráfico de drogas e Cheíto ser liberado de uma missão dos fuzileiros navais, eles encontram-se novamente e tentam uma reaproximação enquanto suas vidas cobram as consequências do passado.
Crítica
Isra (Israel Gómez Romero) é algemado tão logo testemunhe o nascimento de sua terceira filha - numa cena filmada frontalmente, com a saída da bebê do corpo da mãe. O fato do cineasta Isaki Lacuesta começar Entre Duas Águas com uma quebra tão violenta diz muito acerca das tensões que demarcam a vida do protagonista, bem como a do irmão mais velho, Cheíto (Francisco José Gómez Romero), padeiro e oficial da marinha, e dos amigos de longa data que permanecem fieis a sua camaradagem. Assim que solto da cadeia, o homem tenta reintegrar-se à família, mas é rechaçado pela esposa fatigada a quem tenta, em vão, convencer do contrário. As portas vão se fechando sucessivamente, a suposta facilidade de voltar a traficar e subsistir em virtude de pequenos delitos está sempre à espreita, ameaçando, inclusive, o desejo de retomar o casamento e novamente conviver com as meninas que demonstram euforia quando o pai está finalmente em casa, prestando-lhes atenção. Mas, o sujeito inquieto, um tanto perdido por conta das desilusões, tende a colocar tudo a perder.
Entre Duas Águas conserva a imprescindibilidade, em meio à prevalência das forças invisíveis que afastam Isra dos objetivos, algo que o traga ao redemoinho outrora responsável por sua danação, da paisagem em que essas figuras críveis estão inseridas. O protagonista e seu irmão já tinham aparecido em outro filme do realizador, La Leyenda del Tempo (2006), inclusive interpretados pelos mesmos atores. O processo dá conta da aproximação entre ficção e realidade, não necessariamente mostrando as vivências de Israel Gómez Romero e Francisco José Gómez Romero, mas se valendo de dados de seus cotidianos, das relações estabelecidas e da geografia circundante, almejando um sintoma de autenticidade. Antes, os conflitos eram os inerentes à turbulenta passagem da infância à vida adulta. Agora, vêm à tona os problemas da maturidade, as responsabilidades, tais como olhar à frente tendo no horizonte a urgência de oferecer o porvir digno às filhas.
Entre Duas Águas é efetivamente sobre Isra. Cheíto se equivale em importância (e, inclusive, tempo de tela) aos amigos de meninice que por lá permanecem, unidos por uma argamassa afetiva que os magnetiza. Há um temor quanto ao possível legado da miséria material e existencial, algo não verbalizado, tampouco manifestado num nível consciente. Especialmente Isra exibe sinais de exasperação diante da falta de perspectivas, como se, acuado pelas circunstâncias, sentisse ainda mais o peso de patinar cotidianamente por conta do que aquilo representa às meninas. Por debaixo da irresponsabilidade, de certa imaturidade e impulsividade que marcam o rapaz, há o medo de permitir que as crianças passem por infortúnios semelhantes. Aliás, a não ser Cheíto, ciente do que precisa ser sacrificado para garantir a proximidade da família, os homens em cena diferem bastante de suas mulheres, sobretudo por se permitirem comportamentos com sinais de inconsequência.
Isra quer tatuar, ou seja, eternizar em sua pele, o momento da morte do pai, Jorge. Carregar esse instante de inigualável dor, cujos efeitos são sentidos na desorientação dos irmãos, se torna um lembrete constante do sofrimento tão agudo que não pode ser igualado, nem mesmo pelas pancadas diárias que o levam a perder frequentemente as esperanças. Entre Duas Águas promove um desenho terno desse entorno depauperado, emocionalmente carente, mas que guarda a potência das lembranças de uma juventude vibrante, na qual vínculos duradouros, praticamente inquebrantáveis, foram estabelecidos. Ainda que se estenda um pouco além da conta, o longa-metragem exala a confusão de Isra, mas observa com cuidado a preocupação de Cheíto e a afetuosidade desprendida das perambulações de ambos com os parceiros de outrora, apesar de tudo, fiéis à irmandade que os uniu anteriormente. Já o “renascimento” como forma de purificação não parece cabível ao protagonista, que, a despeito da carga, prefere conviver com os pecados, administrando-os do seu jeito.
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