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Sinopse

Oito mulheres menonitas sobem num palheiro a fim de realizar uma reunião secreta. Elas estão fartas dos episódios de violência a elas impostos pelos homens da região. Elas têm 48 horas para decidir se calam, lutam ou fogem.

Crítica

A julgar pelos figurinos e pela fotografia dessaturada assinada por Luc Montpellier, imaginamos que Entre Mulheres acontece num passado remoto. No entanto, em determinado momento da trama surge ao longe um carro do recenseamento tocando "Daydream Believer" dos Monkees e anunciando que a história se passa inesperadamente no ano de 2010. É uma ruptura calculada de expectativas, uma quebra intencional que pode tanto sinalizar a falta de compromisso com o tempo cronológico quanto anunciar que aquela comunidade praticamente isolada permanece estacionada no passado. A cineasta Sarah Polley não desfaz essa possível dúvida e tampouco está preocupada com a clareza do contexto. Ela se foca na tensão existente entre as mulheres atingidas pelo machismo cotidiano e os homens ameaçadores que permanecem no extracampo, ou seja, que não são mostrados na tela. Entre Mulheres é baseado num livro de Miriam Toews, por sua vez inspirado num caso bizarro de múltiplas brutalidades registradas numa comunidade menonita na Bolívia entre os anos de 2005 e 2009. Nesse período, mulheres simplesmente acordavam cheias de marcas, violentadas e não raro depois se descobriam grávidas. Mais tarde, tornou-se público que alguns homens locais as drogavam com sedativos bovinos para estuprá-las durante o sono. O filme reconta essa história em meio ao processo decisório entre ir e ficar.

Além de alguns meninos (crianças), o único homem em cena é o professor August (Ben Whishaw), encarregado de registrar as discussões numa ata por conta de sua formação letrada. Sarah Polley elege um dos celeiros da localidade como o principal dos palcos desse acúmulo de histórias que apontam à opressão do patriarcado vigente naquela localidade. Há mulheres que defendem a necessidade de ir embora e recomeçar a vida em outra paragem, talvez por não acreditarem na força catártica da revanche ou simplesmente por não encontrar alternativas na continuidade ao lado de seus maridos e demais homens conhecidos. No entanto, há aquelas que preferem permanecer no território e lutar literalmente para as coisas mudarem, as que enxergam a evasão como uma espécie de assunção da vitória masculina pelo simples bater em retirada. Mas, Entre Mulheres curiosamente não é uma produção que tira o seu melhor de uma eventual disputa de vozes, sequer da oscilação entre os dois polos que pensam de formas quase opostas a respeito da atitude a ser tomada. A realizadora não enfatiza quaisquer rivalidades femininas, pois defende que mesmo pensado diferentes as representantes de cada lado estão no mesmo barco. A sensação de irmandade é um dos principais acertos desse filme interessante, mas que às vezes perde um pouco da sua intensidade ao reiterar as pontuações e observações.

Uma breve passada de olho na lista de atrizes do elenco principal é suficiente para atiçar a nossa curiosidade, afinal de contas nos deparamos com nomes consagrados, tais como Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley e Frances McDormand (esta que infelizmente aparece pouco). No entanto, são duas veteranas pouco conhecidas do grande público que sobressaem: Judith Ivey e Sheila McCarthy. Inclusive, Sheila protagoniza uma das cenas mais tocantes do longa-metragem, na qual a sua personagem pede desculpas (em meio a lágrimas) por ter ensinado suas filhas dentro dos parâmetros de manutenção do patriarcado. Mesmo que Sarah Polley não critique abertamente a religião como uma das correntes limitadoras das mulheres tratadas na localidade como gado e propriedade, fica implícito que os dogmas existem para manter uma ordem masculina nesse mundo em que o feminino é relegado à subalternidade. A cineasta lida bem como as limitações do cenário principal e evita que alguém prevaleça sobre a mensagem gregária de empoderamento. Sim, pois a sua ideia claramente manifestada é elogiar a força da união a despeito das particularidades de cada integrante dessa assembleia. A teatralidade da mise-en-scène acentua o simbolismo da circunstância, sobretudo por conta da forma habilidosa como ela distribui as atenções pelas mulheres em cena. Ainda assim, o filme cansa um pouco.

Cansa um pouco, porque Entre Mulheres não precisa de mais do que alguns minutos para colocar todas as suas principais cartas na mesa. Depois dessa eficiente fase introdutória, na qual somos apresentados às personagens e à situação de opressão contra a qual todas pretendem se rebelar, Sarah Polley apenas insere pequenas nuances que acentuam a reunião de mulheres cansadas de terem seus corpos tratados como posse dos homens da vizinhança. Uma das boas sacadas do roteiro assinado também por Polley é manter os algozes fora de cena, quando muito vislumbrados ao longe, no mais citados constantemente como ameaças que devem ser combatidas em prol da sobrevivência. Em determinado ponto da trama, começam discussões sobre o limiar de idade depois da qual os filhos homens das reclamantes podem ser considerados perigosos, ou seja, a partir de que faixa etária são irrevogavelmente cooptados pelas diretrizes do patriarcado. Cabe ao homem vivido por Ben Whishaw reduzir as expectativas das mulheres a respeito da extensão da inocência dos meninos. Infelizmente, Sarah Polley coloca todas as teses, discordâncias e réplicas na boca das pessoas, não dando margem para o espectador preencher lacunas, permitindo que a tensão amorne e o panorama geral enfraqueça.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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