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Sinopse

Em 2014 o malinês Toumani Kouyaté foi convocado com urgência ao seu país natal para ouvir o avô contar a sua história derradeira. Sentindo a morte se aproximar, o experiente homem decidiu passar a tradição adiante.

Crítica

No começo de Entre Nós, um Segredo, a cineasta Beatriz Seigner explica rapidamente sua ligação com o codiretor Toumani Kouyaté, algo que prenuncia uma premissa interessante. Malinês de nascimento, mas residente no Brasil, ele é intimado pelo avô para retornar à sua terra natal a fim de receber parte da tradição oral do país. Sentindo a morte se aproximar, não querendo quem com sua vida se esvaiam os conhecimentos imprescindíveis ao povo da África ocidental, o idoso convoca herdeiros. O foco, portanto, é a transmissão de um lastro repleto de mitos, epopeias e enredos que evidenciam a palavra como elemento de sustentação. É curioso, porém, que a dupla de realizadores priorize simplesmente a informação, passando longe de incentivar as complexidades habitantes nas frestas dessa erudição que abrange o intangível. Ao invés de sublinhar o caminho de certa forma iniciático de Toumani, o filme prefere ter este como elo entre a visão exterior e a cultura revelada. Nesse sentido, o olhar de Beatriz se torna o norteador, reduzindo o espaço de outros vieses.

Toumani Kouyaté é um djeli (griot, na grafia local), portanto guardião e propagador da sabedoria. Em Entre Nós, um Segredo, ele desempenha essa função à câmera, revelando a organização social local, os motivos de determinadas comoções, o porquê é importante não perturbar a singularidade dos ritmos, etc. Aliás, dentre as pequenas coisas que a produção somente mostra, sem infelizmente desenvolver, está a soma de dois instantes separados. Bem no início da incursão pelo Mali, uma moradora local, ao deparar-se com Beatriz (provavelmente), diz que nem sabe como lidar com uma mulher branca. Adiante, a cineasta é questionada sobre regras previamente informadas de como se portar diante de uma cultura completamente distinta da sua. Momentos em que o elemento forasteiro é bem sublinhado. Mas, assim como várias outras possibilidades visíveis ao longo do filme, não ganha espaço para reverberar em meio a um trajeto recheado de didatismos.

Outro dado sobressalente em Entre Nós, um Segredo é o fato de ele parecer pré-formatado aos mercados internacionais. Senão, porque Beatriz e Toumani conversam em francês? Contingências de produção? De toda forma, é algo passível de gerar ruído, especialmente num longa-metragem debruçado sobre a importância do patrimônio cultural de uma nação – partindo do pressuposto de que a língua carrega a relevância de um bem fundamental. Porém, o aspecto mais evidente é a perspectiva norteadora. O documentário é guiado por um olhar desinformado a respeito de tudo o que está apreendendo. Por isso mesmo, há um sobressalente tom de aprendizado que frequentemente eclipsa a atenção às peculiaridades, às consistentes jornadas acontecendo nas entrelinhas das extensas explanações. São poucas as imagens capazes de conferir breves respiros e, simultaneamente, estimular o espectador para que ele observe atentamente. Uma delas, a do belo testemunho do protagonista, ao longe, reverenciando a árvore sob a qual jazem os ancestrais e entes queridos.

Entre Nós, um Segredo determina o contato com uma tradição riquíssima, abrindo espaço para acessarmos protocolos e formas de compreender uma realidade. Toumani Kouyaté é uma ponte entre a África ocidental, especialmente ajudando a lançar luz sobre narrativas primordiais, e a vivência crua da colega cineasta que escancara por meio do prisma adotado a sua falta de saberes prévios. O longa é gradativamente nutrido por um fascínio, uma espécie de fome pelo entendimento, o que orienta também a nossa experiência com o incrível objeto de estudo. O percurso estritamente concernente à reconexão do protagonista malinês creditado como codiretor é bastante apequenado pelas características da abordagem. Beatriz mantém-se visivelmente encantada com o universo novo. Entretanto, perde constantemente de vista a noção de que as circunstâncias potencialmente geram um turbilhão de trocas emocionais, afetivas e espirituais no colega, recorrendo a ele somente como tutor privilegiado. Saciando suas curiosidades, porém, ela mais extrai do que oferece em tributo.

Filme visto online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2020.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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