Crítica
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Sinopse
Brasília recebe uma enorme mobilização indígena durante a 14ª edição do Acampamento Terra Livre, isso um ano após o impeachment presidencial. Concomitantemente, na mesma Esplanada dos Ministérios que abriga barracas de povos indígenas de todo o Brasil, parlamentares articulam uma agenda de retrocessos à causa indígena.
Crítica
O cenário é uma Brasília em polvorosa por conta das arbitrariedades do governo Michel Temer, entre outras muitas coisas pregressas. O Brasil, cindido entre os que apoiaram e aqueles que rechaçaram o golpe desferido contra a presidenta Dilma Rousseff, parece um caldeirão efervescente de questões a serem resolvidas com urgência. Em Entre Parentes as engrenagens do poder público surgem desde o princípio como instrumentos de salvaguarda do status quo e, por conseguinte, de repressão às chamadas minorias. Indígenas, devidamente autorizados pela prefeitura do campus da Universidade Federal de Brasília, cortam bambus para montar um acampamento diante da Esplanada dos Ministérios. O cineasta Tiago de Aragão captura bem a passivo-agressividade dos agentes que se arvoram a "zelar pelo bem público", excluindo do aglomerado os indiciados.
Entre Parentes costura a vigília dos indígenas reunidos na capital federal, que acabam acompanhando de perto a comissão parlamentar de inquérito instaurada a fim de investigar a FUNAI e o INCRA, com a exposição da acintosa exclusão de todos os povos originários das esferas das tomadas de decisão. Chega a ser revoltante a forma como os encarregados da CPI, especialmente o relator da mesma, conduz os trabalhos com um autoritarismo travestido de cumprimento do regimento, assim se assemelhando em atitude aos policiais que impedem a poda consentida no começo do curta-metragem. É muito consistente o vislumbre da tirania naturalizada, beneficiária de uma elite, como se ela representasse o correto absoluto, enquanto querelantes permanecem à margem, fazendo força para encontrar brechas nesse jogo institucional de cartas marcadas.
Os políticos favoráveis à criminalização de lideranças indígenas, indigenistas, padres católicos e professores universitários, que advogam abertamente pela causa do agronegócio, para citar apenas uma das classes dominantes, são debochados, navegam em seus celulares enquanto a oposição vocifera o absurdo daquilo. Não à toa Tiago dispõe vários momentos em que microfones são “cortados”, nos quais a autoridade de plantão na mesa retorce o regimento interno ao seu bel prazer. Tais passagens rimam com a dificuldade, por exemplo, de uma ativista para simplesmente saber onde as discussões estão sendo mantidas. O silenciamento assume, assim, diversas facetas, mas opera num sentido unificado para manter as coisas como estão ou, pior, garantir que os descendentes dos nativos tenham cada vez menos voz e vez. O filme radiografa bem essa asfixia.
Não bastasse o modo frontal como deflagra a instauração dessa mordaça invisível, às vezes gritante, Entre Parentes ainda apresenta um dos mais belos planos do recente cinema brasileiro. Na verdade, toda a sequência que começa no alto de um elevado e culmina com a fuga da ação truculenta dos policiais coibindo a manifestação indígena é primorosa, técnica e dramaticamente falando. Mas, especialmente o recorte dos índios “navegando” com caixões pelos espelhos d’água que margeiam a passarela de acesso à câmara dos deputados é de uma beleza plástica e de uma expressividade impressionantes. Brasília, com sua arquitetura singular, fotografada em preto e branco, parece realmente o ambiente de uma distopia em curso. E Tiago de Aragão consegue construir um manifesto político incisivo, no qual o Brasil se revela como pátria de exclusões.
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