Crítica
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Sinopse
Crítica
No começo de tudo havia o caos. E essa desordem no italiano Entre Tempos tem a ver, deliberadamente, com um mergulho nas interlocuções entre passado e presente. O cineasta Valerio Mieli se reporta às lembranças como elementos essenciais para (re)configurar a existência, inclusive no que tange à projeção de um futuro possível. Os protagonistas são Ele (Luca Marinelli) e Ela (Linda Caridi), jovens que se conhecem casualmente numa festa. Ao contar o episódio a amigos numa reunião doméstica informal, divergem quanto a detalhes praticamente imperceptíveis, algo que a justaposição de fragmentos torna evidente. De um plano para outro, peças de roupa têm novo tom, feições são levemente alteradas, assim configurando um dispositivo para apresentar a volatilidade inerente às reminiscências, operante incessantemente como substrato das relações e vivências atuais. Gradativamente, a balbúrdia vai se esclarecendo e o espectador consegue se assentar melhor.
Todavia, Entre Tempos não torna tão dinâmico esse frenesi de temporalidades, eventualmente deixando seu enredo cair num terreno demasiadamente pantanoso, sem com isso oferecer o contrapeso das inconstâncias em jogo. Ele é um sujeito cabisbaixo, inclinado a estados depressivos, que se esquiva como pode ao vislumbrar um novo amor no horizonte, especialmente por acreditar na crescente degradação de um sentimento que, então, começaria fulgurante e inexoravelmente perderia vivacidade. Ela não parece tão preocupada com o porvir, pois se agarra ao presente. O filme traz algumas discussões prontamente verbalizadas durante esse curioso percurso, cuja singularidade é pavimentada pelo choque entre os fragmentos. Não há uma vontade tão reconhecível de entender as lembranças, aqui dispostas pela montagem, como oriundas de um fluxo elegante e retilíneo, pelo contrário, já que elas derivam de uma erupção nem sempre conexa, mas determinante.
Entre Tempos desenha o elo afetivo entre os protagonistas em meio às recordações que condicionam comportamentos insondáveis, conferindo peso considerável à carga emocional derivada de certos episódios. Porém, Valerio Mieli ocasionalmente consente que o conjunto descambe para uma sucessão de nebulosidades disfarçadas de efusividade memorialística, do que decorre a sensação de estagnação ou, melhor dizendo, a noção de reiteração sem tantas variações estilísticas e/ou temáticas. Nos seus quase 110 minutos o longa-metragem toca em questões bem parecidas, a partir de vieses formalmente semelhantes. Ainda assim, há instantes que se aproximam da epifania, como a alternância entre os perfumes que estabelecem pontes particulares com circunstâncias específicas. Assim como essas, outras cenas são totalmente fundamentadas em gatilhos permitidos por componentes que para alguns têm pouca relevância, mas não para outros tantos.
No livro Em Busca do Tempo Perdido, o autor francês Marcel Proust fala da nostalgia ao rememorar a degustação das madeleines da infância. Esse residual melancólico está presente também em Entre Tempos, o entrecortando integralmente. O filme é nutrido por uma complexidade intrínseca ao equilíbrio entre sorver e permanecer ancorado naquilo que aconteceu. Uma pena o realizador não investir em desdobramentos ou se aprofundar propriamente nas complexidades peculiares ao tema, aqui relativamente bem simbolizado pela articulação dos planos e o modo como os personagens são conduzidos, tanto pelo residual de suas experiências pregressas quanto por efeitos gerados exatamente por tais resquícios. O encerramento soa apressado e conveniente em semelhante medida. Entretanto, os senões, mesmo responsáveis por evitar voos mais ambiciosos e densos, não eclipsam as qualidades dessa história de amor marcada pelo decurso do tempo.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Roberto Cunha | 8 |
Leonardo Ribeiro | 5 |
MÉDIA | 6.3 |
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