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Crítica

Entreturnos revela no título o íntimo de sua proposta. Filme capixaba dirigido por Edson Ferreira, cuja filmografia tem se mostrado constante desde a estreia com documentário em curta-metragem Auroras de Ébano (2005), o longa passado em Vitória, Espírito Santo, bebe da mitologia das pessoas e histórias da cidade.

Beto (Paulo Roque) é o cobrador de ônibus a quem somos apresentados logo de início. Os turnos referem-se à escolha do estrato social, no qual os personagens comuns são privilegiados, homens da rua a preencher, inventar e moldar o espaço urbano como ponto de encontro e realização pessoal. Para reproduzir o vigor do ambiente, a câmera de André Lavaquial estará em busca do mais cru dos registros, quando qualquer contraste terá como resultado a epifania de uma quase redenção – a qual, por ordem de corresponder à realidade, jamais será completa.

Por outro ângulo, turnos também é o aspecto formal escolhido pela direção para contar a trama. Beto frequenta o bar comandado por Leia (Lorena Lima) e Valcir (Luis Miranda). Quando o protagonista envolve-se com Leia, veremos formado um triângulo de relações que, com o tempo, ganhará a inclusão de Gilda (Janaína Kremer), esposa do cobrador. O conteúdo dramático orbitará entre violência e sexo, dando à busca pessoal dos personagens a trajetória de um épico remodelado.

No momento em que Ferreira opta por contar a relação a partir do ponto de vista dos personagens, Entreturnos se configura como um filme de olhares. Demarcada a partir de um momento central no roteiro, a opção generosa de modificar a vista é interessante, e consegue ser realizada com competência. O revés primeiro, no entanto, passa pela repetição da base dramática que, se inevitável por se tratar de uma teia de relações, acabou agravada com a inserção de Gilda.

Bem articulado, o roteiro assinado pelo diretor junto a André Félix entrega ao público às demandas dos personagens em uma crescente que ajuda a manter a trama. Nada se demostra mais eficiente, porém, do que o empenho dos atores. Ao compreender a maneira orgânica com que deveriam atuar, o quarteto passa ao lado do equívoco de encenações artificiais – o que não é um problema, mas estaria a serviço de outro registro estético – e emolduram a naturalidade

O recorte de Entreturnos ocupa um espaço pouco explorado na cinematografia brasileira contemporânea. Voltado para um discurso de denúncia social ou para o de personagens especiais e estranhos, o cinema nacional vê a obra de Ferreira contemplar com bastante competência uma abordagem que nos remete à literatura brasileira naturalista e à produção cinematográfica dos vinte anos do período Embrafilmes. Dessa forma, Ferreira recoloca o homem comum no seu espaço, extraindo sem medo o que há de melhor – e pior – em tal horizonte.

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