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Sinopse

Após cobrir a guerra do Afeganistão, o jornalista Paul Asher retorna para casa com a sua fé abalada. Completamente sem esperanças, se vê diante do maior desafio da sua vida profissional: entrevistar um homem misterioso que diz ser Deus. Em conflito com suas crenças, ele agora se encontra diante da seguinte questão: o que perguntar a Deus?

Crítica

Ainda que não seja um fenômeno relativamente novo, filmes religiosos tem se revelado uma verdadeira febre de uns tempos para cá. A grande diferença entre estas produções recentes e os longas que dominaram a cena durante as décadas de 1950 e 1960, principalmente, são as escalas das realizações e, mais do que tudo, as aspirações catequizadoras de agora, que se distinguem das ambições narrativas e culturais percebidas décadas atrás. O que importa dessa vez não é procurar nos relatos bíblicos grandes espetáculos épicos e, sim, histórias que possam defender um ponto de vista bastante objetivo e simplório, em novelas que apontem para algumas verdades ditas como absolutas, tais quais a inutilidade dos questionamentos e a fé absoluta que tudo pode. Entrevista com Deus até tenta, pela maior parte da sua narrativa, se posicionar um pouco fora dessa curva, e quase consegue, não fosse por uma conclusão que mira no catártico, mas tudo que consegue é investir na redundância e obviedade.

Paul (Brenton Thwaites) é um jornalista que acaba de voltar de uma cobertura dos conflitos bélicos no Afeganistão. Após ver a morte de perto, está abalado de tal forma que acaba interferindo em seus sentimentos tanto no trabalho, quanto em casa. Se o patrão o aconselha a tirar algumas semanas de férias, o problema parece mesmo vir da esposa, decidida a deixá-lo. Em meio a esses dilemas de última hora, ele tem outro problema que lhe parece mais urgente: lidar com uma pauta curiosa, para não dizer absurda. Afinal, foi convidado a fazer uma entrevista com ninguém menos do que Deus em pessoa. Sim, ele mesmo, aquele que tudo vê e tudo pode. Mas esqueça da figura sarcástica interpretada por Morgan Freeman em Todo Poderoso (2003), ou o ser vingativo de tantos contos, como o visto no problemático Noé (2014). Este aqui ganha o corpo e o talento de David Strathairn para, enfim, apenas conversar.

Indicado ao Oscar pelo retrato profundo que fez do jornalista Edward Murrow em Boa Noite e Boa Sorte (2005), Strathairn já interpretou outras figuras de peso, como no suspense Eclipse Total (1995) ou no thriller O Ultimato Bourne (2007), entre outros. Entrevista com Deus, portanto, parece, ao menos à primeira vista, um desafio à altura das habilidades do veterano. O problema está no olhar proposto pelo diretor Perry Lang (que desde Homem de Guerra, 1994, só vinha atuando na televisão) e pelo roteirista Ken Aguado (mais conhecido por seus trabalhos em reality shows televisivos), mais interessados no sofrimento do protagonista do que na figura celestial que inserem na história. Deus, aqui, é mero subterfúgio para discutir a falta de fé (olha ela aí de novo) do homem que parece ter abandonado suas crenças, que não se mostra presente ao lado da mulher que escolheu para ser sua companheira e nem mesmo o tenaz e reconhecido profissional que fora tão longe, mas que hoje parece não muito disposto a ir além das páginas menos lidas do diário em que trabalha.

É nesse ponto em que a escolha de Brenton Thwaites para viver o personagem principal se mostra tão equivocada. Mesmo com 29 anos de idade, o Príncipe Encantado de Malévola (2014) ou herói de aventuras como Deuses do Egito (2016) e Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar (2017) mantém as mesmas feições adolescentes e o físico atlético, tornando árduo qualquer esforço para fazer dessa figura que aqui tenta defender minimamente verossímil. Ele mal tem barba no rosto, mas dá a entender já ter vivido poucas e boas, com diversas desilusões nas costas e muita desesperança no olhar. O rosto de bebê talvez não fosse tão problemático, ainda assim, caso o roteiro decidisse seguir o título à risca, demonstrando preocupação com Sua presença inesperada. Mas quem é de fato entrevistado aqui é Paul, e não Deus. Este se manifesta apenas para salvá-lo. Porém, o questionamento é quase inevitável: diante de situações tão mundanas, seria, de fato, válido toda essa dedicação? O que esse rapaz, afinal, teria de tão especial para justificar uma visita como essa?

Ah, mas Deus dá igual atenção a todos, e cada um é especial a seu próprio modo através dos Seus olhos. Bom, essa até pode ser uma explicação. Triste é perceber que ela, infelizmente, não fica clara no filme. O que os realizadores tentam a todo instante é reforçar a ideia de que Paul é uma figura em uma situação limite, e por isso tal encontro se verificaria tão necessário. As conversas que estabelece com Deus se mostram curiosas num primeiro momento – Strathairn lida bem com diálogos que pouco avançam, mesmo que levantem argumentos interessantes – mas gradualmente vão deixando os embates filosóficos para se centrar em dúvidas mais concretas – e, por isso mesmo, passageiras e descartáveis. A necessidade de esclarecer qualquer dúvida a respeito do que de fato se sucede em Entrevista com Deus termina por fazer do filme um exercício doutrinador que talvez até funcione entre os já convertidos, mas que pouco efeito deverá ter entre os mais céticos. E assim, mais uma vez a arte perde espaço para um discurso óbvio, sem efeito prático, ainda mais diante aspirações que mereciam um tratamento à altura do que se propõem.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
4
Francisco Carbone
1
MÉDIA
2.5

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