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Sinopse

Em Entrevista com o Demônio, o apresentador Jack Delroy tenta recuperar a audiência de seu programa, que despencou desde a trágica morte de sua esposa. Desesperado pelo sucesso, Jack planeja um especial para o Halloween de 1977, mas o que começa como uma noite de entretenimento se transforma em um pesadelo ao vivo.

Crítica

A ideia é por demais atraente: quem não teria curiosidade em assistir a uma Entrevista com o Demônio? Ao mesmo tempo, essa é também uma daquelas premissas nas quais o espectador se atenta apenas ao acender do fósforo, e não ao incêndio descontrolado que poderá surgir como consequência. Pois é o que se presencia frente ao filme assinado por Cameron e Colin Cairnes. Os irmãos gêmeos australianos estão há algum tempo na labuta, percorrendo um circuito mais alternativo com títulos como 100 Bloody Acres (2012) e Scare Campaign (2016), mas foi somente agora que os dois, também roteiristas dos seus próprios projetos, alcançaram uma maior repercussão. E não sem motivo. Porém, deixando de lado o barulho gerado por admiradores um tanto afoitos, o que se percebe é um conjunto bem orquestrado, um cenário que se sustenta em si mesmo, mas que, ainda assim, carece de maior cuidado justamente no desfecho da trama. É como se os esforços tivessem sido direcionados ao antes e ao durante, sobrando pouco para o depois. Não chega a ser um desperdício. Mas é quase inevitável o gosto amargo após o acender das luzes.

Fazendo uso de um misto de técnicas distintas – ou seja, não inventa a roda, mas propõe uma interessante reciclagem – Entrevista com o Demônio ganha pontos pela ambientação (Estados Unidos dos anos 1970) e pela proposta que combina um desenrolar dos acontecimentos em tempo real (ou seja, os eventos vistos em cena possuem exatamente a mesma duração do longa em si) com uma estratégia não muito bem articulada de found footage – aquele registro feito às pressas e um tanto amador, que se tornou moda após sucessos como A Bruxa de Blair (1999) e Atividade Paranormal (2007). Se o primeiro aspecto é alcançado com louvor – a experiência é, de fato, de se assistir a um programa televisivo daquela época – está na segunda aposta a maior falha. Durante os intervalos comerciais, abre-se espaço para uma investigação pelos bastidores, momentos estes em que se divide com o espectador temores e dúvidas dos personagens pelo que está prestes a acontecer. Mas quem estaria fazendo tais gravações? E com quais propósitos? Estas são questões que não parecem importar aos realizadores.

O protagonista é Jack Delroy, defendido em cena por David Dastmalchian. Coadjuvante por excelência, figura constante nos filmes de Christopher Nolan e em campeões de bilheteria diversos – invariavelmente, no entanto, em participações tão mínimas que chegou a interpretar personagens diferentes em Homem-Formiga e a Vespa (2018) e em Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (2023), aventuras que são continuação direta um do outro, sem que ninguém se desse conta – Dastmalchian tem aqui sua primeira oportunidade liderando um elenco, e assim o faz com bastante jogo de cintura. Principalmente por Delroy ser um tipo de múltiplas facetas. É o apresentador de um programa de entrevistas noturno que se encontra em uma luta acirrada por reconquistar sua audiência, sob o risco de um cancelamento já na próxima temporada. Há boatos de pactos com grupos misteriosos nessa busca por melhores oportunidades, mas o que se tem visto em sua atração é uma régua mais elástica, por assim dizer, no que diz respeito às atrações. Chegando ao ponto de anunciar o encontro citado no título.

Que não se espere, no entanto, por um tipo de rabo comprido e chifres pontudos, carregando um tridente afiado e uma risada assustadora. O Demônio que está prestes a se manifestar ganhará notoriedade através de uma jovem não muito assustada (Ingrid Torelli, sem conseguir dosar os extremos entre a inocência e a ameaça que deveria exibir) e sua tutora, a psicóloga June (Laura Gordon, segura do desafio e hábil em evitar a caricatura). Além delas, essa edição especial do Night Owls (algo como Corujas Noturnas) contará com mais dois participantes: Christou (Fayssal Bazzi, de Shantaram, 2022), um vidente cujo nome não é mera coincidência, e Carmichael Haig (Ian Bliss, um dos tipos mais interessantes e menos explorados do conjunto, cujo histórico e motivações mereciam um olhar mais detalhado), o cético encarregado em desfazer os truques ou artimanhas dos demais quando em ação para iludir a plateia presente (trata-se de um programa de auditório, afinal) e também aqueles diante da televisão. Assim, nas primeiras manifestações supostamente paranormais, Haig não se deixará impressionar por pouco, enquanto Delroy e os demais na audiência irão percorrer caminhos diversos. Mas, aos poucos, esse processo de estabelecer limites entre o real e a fantasia não será tão simples. E o que virá depois, se trabalhado com a mesma seriedade assumida até então, poderia ter resultado em algo, no mínimo, perturbador.

Infelizmente, não é esta a rota escolhida pelos irmãos Cairnes. Não que a opção pelo exagero e o espetáculo visual seja despropositada – há uma clara homenagem à ícones daquela época, como Cronenberg, Carpenter e até mesmo Corman – mas a questão não é esta, e, sim, como a mesma se encaixa em meio ao discurso percorrido até aquele momento. E eis que o ruído se manifesta. Entrevista com o Demônio agrupa elementos por demais instigantes, tanto como premissa quanto ao que diz respeito à sua realização. Mas ao ceder a um apelo mais midiático e menos reflexivo, confirma-se indeciso entre o que poderia ter deixado no campo da provocação e aquilo que atende a um clamor mais imediato e passageiro. Espanta e assusta, mas também se desfaz tão logo a reação instintiva dá lugar à reflexão e à busca por respostas que ninguém aqui parece disposto a conceder, se não por completo, mas nem mesmo às direções que a elas poderiam encaminhar. Enfim, se de boas intenções o inferno está cheio, como diz o ditado, é fácil imaginar que por aqui muito disso tenha servido de inspiração. É de se lamentar, por outro lado, o não abrir mão de muitos destes elementos em nome de uma abordagem mais objetiva e sucinta.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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