Crítica
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Sinopse
A intimidade na maior instituição sexual do Brasil, o motel. Frequentadores foram convidados a se filmar durante uma estadia em motéis e compartilhar o resultado.
Crítica
A primeira personagem de Eros é a própria diretora Rachel Daisy Ellis. Depois de “levar um bolo” do companheiro e ser deixada sozinha no motel que empresta o nome ao filme, ela fez vídeos sobre si mesma na intimidade dessa solidão, então registrada no quarto alugado com o intuito inicial de compartilhar prazer. Rachel diz que conversou com pessoas do Brasil inteiro e propôs que elas filmassem as suas incursões em motéis dos mais diferentes estilos e decorações. O método exposto prevê uma abdicação parcial do controle atribuído ao cineasta, algo semelhante ao que Marcelo Pedroso fez com Pacific (2009), documentário no qual há a costura dos registros de turistas durante sete dias num cruzeiro de luxo. A intenção de Pedroso era fazer um retrato dos membros de uma classe com poder aquisitivo suficiente para custear um passeio como aqueles. A de Rachel é investigar o que as pessoas fazem nos motéis quando distantes de situações que podem amenizar alguns de seus impulsos mais íntimos. O resultado é um filme-coral feito de diversas histórias, com enfoques às vezes completamente discrepantes, mas habilmente costurados pela montagem assinada por Matheus Farias. Cada casal (ou trisal) traz à tona ao menos um aspecto interessante que passa pela sexualidade, mas não se reduz a ela. Cada história contada nos quartos de motel permite ângulos diferentes e uma variação de tema.
Os primeiros blocos, por assim dizer, de Eros apostam numa tendência mais performática, com casais fazendo sexo explicitamente diante da câmera. Desse modo, Rachel Daisy Ellis começa atendendo a uma expectativa primária, a algo que está imediata e obviamente associado ao motel: o próprio ato sexual. Um casal heterossexual transa desavergonhadamente às câmeras que ele mesmo posicionou, ou seja, seus membros não apenas têm a noção de estarem sendo filmados, como escolheram o ângulo, a iluminação e tudo mais. Logo depois do coito, uma conversa coloquial na banheira sobre o exercício livre da sexualidade alheia às amarras sociais. Na sequência, já em outro segmento, um casal homossexual igualmente transa diante da câmera e depois conversa longamente sobre estruturas castradoras que devem ser combatidas em prol do livre fluir do tesão. A realizadora, que não teve a possibilidade de fazer opções estéticas no momento da captação, elabora um discurso a partir das exposições alheias, por exemplo, associando a fala da mulher mais velha em defesa da autonomia dos corpos e a dos jovens gays (um deles religioso) questionando as pessoas que desassociam o sexo das práticas de fé. Aos poucos percebemos que a estratégia narrativa não é necessariamente testemunhar a intimidade com curiosidade, mas capturar nesses instantes algo indicativo dessas subjetividades filmadas.
Selecionado à Mostra Aurora da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Eros é um filme interessante pela amostragem humana, pelos assuntos que vêm à tona e pelo modo como esse conjunto ganha vida em situações que oscilam organicamente entre a comédia e a reflexão melancólica. São engraçados os instantes em que as pessoas se deslumbram com as decorações dos motéis Brasil à fora, de uma parede de pedra da qual verte um jorro de água relaxante até à suíte especialmente preparada à prática do BDSM. No entanto, são também abundantes (especialmente da metade para o fim do filme) os momentos melancólicos, como o longo testemunho de uma mulher trans que comemora o encontro do amor enquanto reflete acerca do caminho acidentado para chegar até ali. No entanto, é sempre importante ter uma coisa fundamental em vista, sobretudo ao analisar o desempenho das pessoas como personagens de um filme: cientes de estarem sendo gravadas, elas naturalmente performam, automaticamente criando corpos cênicos e, em alguma medida, se distanciando dos seus cotidianos. Se em boa parte dos blocos essa autoencenação é sutil, em outras fica mais evidente a prevalência da noção de “estou sendo filmado, preciso parecer algo e ser mais do que apenas eu”. Como no segmento que encerra o filme, longuíssimo monólogo que soa artificial, redundante e empostado demais.
Há uma coincidência que passa meio despercebida em Eros: o fato de os casais quase sempre pedirem comida no quarto antes ou depois do sexo. Claro que o simples fato de essa recorrência estar no filme faz parte de uma opção diretiva, em consonância com o trabalho da montagem. Portanto, se não fosse algo importante, sequer teria permanecido no corte final. Mas, Rachel Daisy Ellis não utiliza essa repetição para criar algum entendimento específico. Assim, o serviço de quarto se torna estritamente uma rubrica que corrobora a ideia da ida ao motel como um programa recreativo. Voltando à questão da encenação, ela aparece um pouco também no enorme bloco com o niteroiense contratando uma prostituta para ouvir suas histórias sobre casamentos falidos e vício em drogas. Aos poucos, a cineasta vai deixando de lado a libido aflorada dos casais (ou trisais) que performam de modos singulares na hora do ato sexual e vai compreendendo o motel como lugar de contatos que buscam amenizar a solidão. Formalmente falando, o que sobressai é justamente o modo como a realizadora encara a limitação desse controle tantas vezes exercido por seus colegas que, assim como ela, conduzem os filmes. Ao abdicar do comando, ela age posteriormente como uma curadora em busca de tintas específicas a fim de pintar um quadro amplo e diversificado sobre o exercício da sexualidade e adjacências.
Filme assistido na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2024.
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