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Crítica
Segundo o próprio criador, Cao Guimarães, Espera é uma espécie de tratado poético sobre os estados deflagrados pelo título do filme. Há uma tentativa de retração da ação, um intento de extirpar dela a condição propulsora. O resultado é um discurso cinematográfico marcado pelo alinhave de situações em que supostamente nada acontece, os chamados tempos mortos. Assim, o que normalmente é suprimido da narrativa, aqui ganha, num sentido inverso, ares de protagonismo. Porém, não há exatamente uma radicalização desse processo. Certos momentos, inclusive, destoam da operação básica assumida. Neles, inicialmente o foco se estreita na espera, enquanto exercício de resistência à atualmente celebrada ânsia por movimento constante. Todavia, acabam sendo criados fluxos consequentes de evidente locomoção, que, então, depõem contra a pureza de um ensaio claudicante, tão bonito e instigante visualmente, pela maneira como o realizador trabalha as texturas, como irregular.
Há várias instâncias de espera se entrecruzando na narrativa do longa-metragem. No que concerne à intimidade de Cao, surge a busca pela utilização de negativos Super-8 há muito guardados na geladeira de casa. Mas, ele ignora completamente o conteúdo das caixas. Já essa dinâmica demonstra um gradual deslocamento, do repouso à atividade. Em princípio, as imagens contidas no material protegido pelo frio do eletrodoméstico “aguardam” a descoberta, seu desvelamento. A partir do ponto em que as misturas químicas e a luminosidade as revelam, elas instauram, em virtude da sucessão de quadros por segundo, um gesto cinematográfico secundário, compreendido dentro do primário, não ligado inteiramente à proposta de ressaltar a bem-vinda inércia e, por conseguinte, o ócio. No polo contrário, ou seja, alinhados com a ideia-motriz, estão os flagrantes de um comércio de beira de estrada, de artistas prestes a entrar no palco, de pessoas na senda da imobilidade, na expectativa de algo.
Outro dado significado pela necessidade de aguardar, neste caso a ação metabólica, é a transformação lenta pela qual passa o transexual Gabriel após o começo da administração sistemática de testosterona. A demora ao efeito do hormônio é exasperante, pois esse jovem quer logo exibir fisicamente os almejados traços masculinos. Diferentemente de alguém que faz palavras cruzadas a fim de passar o tempo entre uma atividade e outra, a ele essa espera se configura numa conjuntura basicamente excruciante, embora inevitável. Cao Guimarães aponta a câmera a outras situações, como à mulher sendo preparada a fim de dormir numa clínica. Especialmente esse fragmento, mas não apenas ele, se ajeita meio a fórceps no corpo do todo, ainda mais se tivermos em mente o objetivo principal. Aliás, a dificuldade para compreender o encaixe de determinados fragmentos depõe contra Espera, tornando sua sessão desafiadora, tanto por ser instigante formalmente quanto pelas gratuidades pontuais.
Espera se permite, em diversos instantes, a deambular verbal e formalmente, num procedimento cujo resultado é não menos que potente. Isso ocorre, sobretudo, com Cao Guimarães nos guiando pela etapa arqueológica do Super-8, algo que acaba se agigantando expressivamente, mas diminuindo outros focos. O documentário fica refém de circunstâncias. A urdidura ora frouxa, ora consistente instaura um desequilíbrio que mina os blocos, vide a incipiência dramática das manifestações místicas, por exemplo, contrastando flagrantemente com a beleza da reflexão que leva em consideração as janelas dos barcos e o fato de estar cercado de água, isso aos episódios de quase completo repouso e possível reflexão. A dificuldade do longa é estrutural, precisamente porque falha ao emendar alguns elementos, isoladamente tratados com a excelência peculiar ao trabalho do cineasta, mas pálidas como partes do conjunto, fragilmente condicionada pelo enaltecimento da inação.
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