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Sinopse

Um escritor se depara com o aparecimento do fantasma de seu pai. Aos poucos, ele precisa se adaptar para conviver com essa presença cotidiana e jocosa.

Crítica

Algumas ideias parecem muito mais interessantes enquanto sugestões, pois acabam passando por tantos tropeços durante o percurso de se tornarem factíveis que melhor teria sido abandoná-las por completo. Escrito e dirigido por Éric Besnard, Espírito de Família é o tipo de filme que, caso tivesse sido feito com menos ambição e recursos, poderia ter resultado em um divertido curta-metragem. No entanto, como esse não foi o caso, o que temos é uma comédia dramática que tenta a todo custo se basear numa única ideia, alongando-a ao máximo e extinguindo as parcas possibilidades apresentadas ao longo dos seus quase intermináveis 90 minutos de duração. Mas veja bem, não que esse seja um processo exaustivo e tedioso: é apenas desprovido de novidades, contentando-se em ressaltar obviedades e acomodado em apontar resoluções e descobertas nada originais.

O protagonista de Espírito de Família é Alexandre, vivido por Guillaume de Tonquédec, ator que já viveu dias melhores em dramas como Belas Famílias (2015) ou comédias como Qual é o nome do bebê? (2012). Se não chega a comprometer, surge num modo contínuo, sem exaltações nem deslizes. Ou seja, entrega o que dele é esperado, e não mais do que isso. Seu personagem é um escritor em crise familiar: os pais reclamam da sua constante ausência, a esposa está cansada da falta de atenção e o filho se comporta se ele não existisse. O resultado dessa pressão, se no começo se manifesta por uma falta de criatividade no texto que está tentando desenvolver, logo atinge outro nível de complexidade após a morte do pai (François Berléand, divertindo-se com a leveza da proposta), o homem que lhe deu tanto exemplos a serem seguidos como também motivos de insatisfações. Pois se primeiro sente não ter desfrutado mais da companhia daquele que partiu, rapidamente descobre que essa ausência não irá durar a partir do momento que o falecido passa a lhe aparecer como um fantasma com muito a lhe dizer.

Não estamos diante de uma versão geriátrica de Gasparzinho: O Fantasminha Camarada (1995), mas é quase isso. Aliás, o que se tem é mais próximo de Ghost: Do Outro Lado da Vida (1990), só que ao invés do Patrick Swayze fazendo uso da Whoopi Goldberg para salvar a vida de sua amada Demi Moore, o que se vê são as últimas lições daquele que não tem mais tempo a perder, num esforço derradeiro para tornar o filho uma pessoa melhor. Alexandre é o único que consegue vê-lo, mas isso não o impede de reagir aos seus toques, conversar com a aparição em voz alta e deixar aqueles ao seu redor seriamente preocupados com sua saúde mental. Como já foi dito, no entanto, esta é uma produção que não busca repercussões mais duradouras. Portanto, não é preciso temer que ele seja enviado para um hospital psiquiátrico para se curar. Tudo o que precisa é parar de resistir e começar, enfim, a ouvir os conselhos d’além túmulo e se reconectar com os que de fato importam em sua vida.

Nesse ponto em diante, Besnard abre espaço para pequenos conflitos, explorados pelos coadjuvantes da história com maior ou menor grau de acerto. Do irmão eternamente insatisfeito (Jérémy Lopez, o passo em falso do conjunto, tão munido de excessos que torna difícil nutrir qualquer simpatia pelos seus problemas) à cunhada que acaba encontrando o amor em um homem com o qual não consegue se comunicar através de palavras (uma solução curiosa, ainda que simplista), há ainda a mulher que busca reconquistar (um projeto desempenhado sem muito esforço) e o filho que tudo o que precisa é de um pouco de atenção. Neste cenário, os laços mais complicados – e por isso os mais dignos de cuidados – são os nutridos com a mãe (Josiane Balasko, na melhor composição do elenco, indo da severidade à ternura no jogo de olhares), cumprindo, assim, uma missão que é tão sua quanto do pai.

Diretor de filmes de pouca repercussão internacional, Éric Besnard é mais conhecido no exterior por ter participado dos roteiros de longas como o hollywoodiano Missão Babilônia (2008) e o épico O Imperador de Paris (2018). Diferente destes, que transitavam por âmbitos de maior espetáculo, Espírito de Família ganharia pontos se apostasse na simplicidade, ao invés de agregar tantas subtramas que, no final, nem conseguem espaço para serem exploradas à contento. Pais, filhos e avós são donos de uma dinâmica velha conhecida, tanto dos espectadores mais corriqueiros como também naqueles mais ocasionais na plateia, que possuem bagagem pessoal suficiente para estabelecerem suas próprias conexões. Isto posto, era de se esperar um mínimo de novidade que garantisse uma percepção de acordo com a dedicação exigida. Uma aposta não tão alta, mas que mesmo assim não consegue ser coberta, visto que está mais interessado no imediato, ao invés de mostrar que certas coisas – e sentimentos – realmente não morrem.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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