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Crítica


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Sinopse

Mara Carlyle é obrigada a mudar de vida quando seus colegas de classe literalmente começam a explosão sem qualquer explicação plausível. As coisas ganham outras cores quando um jovem se declara a ela.

Crítica

A adolescência já foi encarada pelas artes de diversas maneiras, inclusive as alegóricas. Para sublinhar as particularidades desse período de transição, cineastas já apresentaram jovens lobisomens, super-heróis tendo de lidar com as responsabilidades dos grandes poderes (leia-se a iminência da vida adulta), entre outras abordagens similares em intenção. Em Espontânea, o roteirista/diretor Brian Duffield parte do livro Spontaneous, de Aaron Starmer, para construir outra metáfora da época conturbada, mas focando especificamente no lembrete da inevitável existência da morte. A protagonista é Mara (Katherine Langford), a típica revoltada contra “o sistema”, mas que vê sua rotina mudar radicalmente quando uma colega literalmente explode durante a aula. Ninguém a atacou, tampouco a falecida tinha qualquer condição que minimamente justificasse o absurdo. Ela simplesmente estourou, tingindo a sala com seu sangue e decorando-a com suas vísceras. Nojento? Sim, mas o filme evita descambar ao escatológico, sobretudo porque a intenção não é fazer algo fundamentalmente grotesco. A ideia é consolidar uma lição mais ordinária do que parece.

Em Espontânea o nonsense também é “comportado”, de certo modo subordinado à compreensão decorrente da jornada peculiar. Esta é elaborada pelo medo e pelas mortes repentinas. Evidentemente, todos se esforçam para encontrar alguma explicação, até mesmo como forma de evitar que o fenômeno maluco se repita. Porém, a dica de ouro sobre o objetivo principal da trama vem de Dylan (Charlie Plummer), rapaz que não perde tempo depois da primeira tragédia. Ele resolve se declarar à colega por quem é apaixonado. Dali para adiante tudo gravita em torno de um envolvimento que segue caminhos bastante conhecidos, mas aqui percorrido com graça e leveza. Mesmo que os pombinhos permaneçam alertas à necessidade de aproveitar o amor enquanto a vida insiste, o realizador ressalta as descobertas conjuntas, a gradual cumplicidade, enfim, uma dimensão amorosa temperada pelo macabro. Há pequenas pitadas políticas nesse drama romântico condicionado pela insensatez. Enquanto isso, a dúvida sobre os porquês persiste, mas é não estimulada ao ponto de gerar suspense. O entorno (leia-se os demais colegas) acaba sendo reduzido a um depósito de vítimas.

O filme é repleto de ternura, menos bizarro do que poderíamos presumir partindo da premissa. Sem oferecer qualquer subtexto político consistente, as pontuações que dizem respeito a essa área são somente rubricas sem tanta relevância. Servem, isso sim, como forma de situar em qual espectro das polarizações contemporâneas Mara se encontra. Ao ser questionada pela funcionária do governo sobre como se sente, a protagonista diz “pelo menos não sou republicana”. Desse modo, ironiza os simpatizantes do partido norte-americano conhecido por defender pautas conservadoras. Em outro instante, Mara discursa sobre sua vontade de ser presidente dos Estados Unidos e xingar o cadáver de Donald Trump. Mas, Espontânea não cruza determinados limiares, não acende controvérsias. Assim como a abundância de sangue não significa um desejo de chocar a plateia (tudo é atenuado para permanecer no limite do palatável), a insurreição fica confortavelmente domesticada num lugar pouco incisivo. São condimentos da história focada no amadurecimento. Outro ponto curioso é a quantidade de citações diretas de frases e situações do cinema.

Num instante de Espontânea, precisamente quando os adolescentes são confinados/isolados na instalação governamental, Mara e Dylan reproduzem um diálogo icônico de E.T.: O Extraterrestre (1982). A citação de David Cronenberg para quebrar o gelo (?) depois da morte remete instantaneamente à cabeça explodindo de Scanners: Sua Mente Pode Destruir (1981). Já a menção a Dr. Fantástico (1964) soa como mero exercício do músculo cinéfilo. Os adolescentes com medo de explodir subitamente geram uma antecipação da consciência da finitude. Diferentemente da leva de produções em que jovens se deparam com a morte precocemente por terem doenças terminais, aqui a inevitável está à espreita, mas preserva o, digamos, elemento surpresa. Brian Duffield perde a oportunidade preciosa de ir a fundo na contradição da sensação de eternidade própria aos menos experientes. A noção fica à disposição, inclusive encravada no monólogo que encerra o filme com notas motivacionais, mas não é carregada de um teor irônico. Sim, pois no frigir dos ovos, todos estamos nesse barco aleatório. Ninguém sabe quando sua chama se apagará. No filme, é preciso que efetivamente as pessoas comecem a morrer na flor da juventude para os remanescentes entenderem que os desejos são para ontem.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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