Crítica


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Sinopse

O mundo está repleto de supervilões. Duas melhores amigas de infância, há muito afastadas, se reaproximam quando uma delas desenvolve um soro capaz de conferir poderes àqueles decididos a proteger a cidade.

Crítica

É um tanto difícil entender a lógica por trás de um longa como Esquadrão Trovão. Quer dizer, essa talvez não seja bem a palavra. Pelo contrário, é até bem fácil. O complicado é defender esse propósito – seja ele qual for. Afinal, se a ideia foi ir atrás da muito disseminada popularização dos “filmes de super-heróis”, tentando esgotar o filão até a sua última possibilidade, pouco – ou quase nada – de novo aqui foi apresentado. Por outro lado, talvez a intenção fosse seguir na marcha que valoriza o empoderamento feminino, uma vez que as protagonistas são duas mulheres dotadas de superpoderes. Mas o uso que fazem dessa condição é tão fútil e vazio, que o questionamento remanescente aponta mais para qual diferença elas – ou qualquer outro no mesmo lugar – de fato acrescentam à equação. Por fim, o que parece se aproximar da realidade é que mais uma vez temos o diretor Ben Falcone tentando fazer rir a partir dos excessos de sua esposa, a atriz Melissa McCarthy. Assim, o que temos é mais uma história pontuada por piadas sem graça envolvendo mulheres acima do peso e já não muito jovens, como se isso fosse suficiente. O que não é – aliás, está longe de ser.

Por mais insípida que seja a carreira de Falcone como ator, ele tem chamado atenção de uns tempos para cá desde que começou a se aventurar por trás das câmeras. Todos os projetos que assinou até agora, invariavelmente, foram estrelados por McCarthy – e como ela é garantia de sucesso, afinal, se trata de uma das comediantes (e atrizes, dona de duas indicações ao Oscar – nenhuma graças à condução do marido) mais populares de Hollywood nesse momento, essa condição foi determinante para impulsionar as ambições artísticas do companheiro. Primeiro a colocou debochando de idosos (Tammy: Fora de Controle, 2014), e na sequência foram mães solteiras e anões (A Chefa, 2016), adolescentes e estudantes (Alma da Festa, 2018) e até soluções tecnológicas (Superinteligência, 2020). A impressão é que, sem saber para onde ir, decidiu dessa vez aproveitar um tema que é tendência – os uniformizados superpoderosos – ao mesmo tempo em que a colocou ao lado de uma contraparte mais, digamos, politicamente correta. É assim que entra em cena Octavia Spencer, que tem a mesma forma, igual idade e semelhante dificuldade para se encaixar aos padrões vigentes – aliado ao fato de ser uma mulher negra.

As diferenças – e, principalmente, semelhanças – entre as duas, que deveriam ser a base da trama, mal chegam a ser exploradas pelo roteiro que também é assinado por Falcone. Ao invés de aproveitar o fato de ter à frente do elenco duas mulheres nos seus 50 anos, ambas acima do peso, e que mesmo assim, contrariando as expectativas, mandam muito bem no que fazem (Spencer é igualmente respeitada, dona de 3 indicações ao Oscar – e uma vitória!), ele as desperdiça relegando-as a meros estereótipos: uma é a atrapalhada que nada que faz dá certo (McCarthy), enquanto que a outra é a CDF que abdicou da própria vida em nome dos estudos (Spencer). Uma vez melhores amigas (na infância), graças a um encontro de párias – ambas não se encaixavam na escola, e se apoiam mutuamente para enfrentar as provocações e dificuldades colegiais – por causa de uma discussão tola terminam por se afastar, e levam anos até se reencontrarem. Graças a um acidente no laboratório coordenado por uma delas, ambas desenvolvem habilidades especiais – superforça e invisibilidade – e partem para enfrentar o crime. Uma intenção digna, não fosse movida por um sentimento de vingança.

Afinal, nesse mundo no qual a trama se insere, é explicado que superpoderes não são tão extraordinários quanto se poderia imaginar. A questão é que se manifestam apenas nos indivíduos com tendências psicóticas – ou seja, há somente supervilões. Os pais de Emily (Octavia Spencer, que do início ao fim está com a cara amarrada, sem muito o que fazer além de distribuir reclamações) morreram em um ataque desses bandidos – não eram a motivação, mas se tornaram ‘efeitos colaterais’ – o que a levou a dedicar uma vida inteira a descobrir como despertar os mesmos dons entre cidadãos do bem – e ela e a amiga acabam sendo as primeiras cobaias. Lydia (Melissa McCarthy, confortável naquilo que está habituada a entregar) sempre foi a garota mais forte e esquentada, e a dinâmica entre as duas nunca chega exatamente a convencer – são diferentes demais para justificar uma amizade duradoura, e se a ligação soa artificial quando adolescentes, já adultas resume-se a uma mera justaposição física, porém nunca uma real empatia.

Entre outros desperdícios, que incluem mais uma vencedora do Oscar sem ter o que fazer em cena (Melissa Leo, não seria melhor ter ficado em casa?) e um antagonista que não faz esforço algum para oferecer qualquer tipo de nuance (Bobby Cannavale já foi um bom ator, mas tem se acomodado rapidamente no tipo bronco que primeiro lhe vem à mente), restam apenas as boas sequências protagonizadas por McCarthy e Jason Bateman. A dupla, que já havia estrelado um filme em conjunto (Uma Ladra Sem Limites, 2013), reprisa a parceria como um improvável casal romântico, e da passagem musical oitentista ao jantar inadequado em que se declaram, ambos respondem pelos únicos momentos em que Esquadrão Trovão consegue ser minimamente genuíno, leve e, de fato, engraçado – e de uma maneira simpática, por mais que não consiga se afastar por muito tempo do deboche escrachado. Esqueça a (fraca) narrativa política, os (risíveis) efeitos especiais e os (discutíveis) atos heroicos. São as raras situações dedicadas exclusivamente aos dois que conseguem salvar o todo do caos total. É pouco, claro, mas ao menos é alguma coisa. E se motivar ciúmes suficientes em Falcone para que deixe a esposa de lado e passe a explorar sua falta de talento em outras paragens, já terá sido suficiente.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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