Crítica
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Sinopse
Crítica
A intolerância é um dos principais cânceres da nossa contemporaneidade. Porém, ela não é um fenômeno novo e muito menos um sintoma estritamente da atualidade, pois possui raízes históricas – o que a torna uma enfermidade social ainda mais difícil de ser erradicada. Posto isso, todo e qualquer filme que coloca em discussão a necessidade de respeitar o outro é válido. Não que o cinema precise ser importante, engajado ou algo semelhante, mas o sendo atribui uns pontinhos à nossa luta cotidiana contra o obscurantismo. Dito tudo isso, Certas Pessoas é uma produção bem intencionada, sobretudo por defender a necessidade de aprender com as diferenças e não as rechaçar como se nos ofendessem. E esse é o principal elogio que se pode fazer à trama repleta de piadas que ficam com gosto e textura rançosos ao serem repetidamente requentadas. Os protagonistas são o branco-judeu Ezra (Jonah Hill) e a negra-muçulmana Amira (Lauren London), jovens na casa dos 30 anos que se apaixonam e precisarão fazer as coisas funcionarem entre as suas respectivas famílias que não estão tão abertas ao outro. De certa forma, é um remake não oficial de Adivinhe Quem vem para Jantar (1967), mas focado numa geração pós-adolescente que almeja ser “descolada” e cujo símbolo principal é a tara por tênis caríssimos. Em sua primeira direção de longa-metragem, Kenya Barris faz uma obra inofensiva.
E, por que essa “inofensividade” é um problema em Certas Pessoas? Embora seja um filme evidentemente leve, uma espécie de comédia (sem muita graça) de costumes em que o objetivo é provar que os opostos podem se atrair e ser felizes para sempre, assuntos sócio-histórico-comportamentais são fundamentais como motores dos conflitos. O roteiro assinado por Jonah Hill e Kenya Barris traça todo um panorama de divergências culturais, passando por tópicos étnicos que trazem consigo aspectos históricos, tratando também das divergências milenares entre judeus e muçulmanos. Sendo assim, não bastam as distâncias entre as vivências de brancos e negros classe média norte-americanos, eles ainda possuem credos contrastantes. Mas, a questão religiosa é somente um meio de reforçar a distância anunciada entre brancos e negros, ou seja, serve unicamente para reiterar o abismo deflagrado e apontado inúmeras vezes – como se o espectador não tivesse ainda entendido que as diferenças podem ser fundamentais para os pombinhos não darem certo. Além disso, a produção sofre de um esquematismo que não melhora a sua situação geral. Sempre que Ezra está passando por algo com a família de Amira, Amira também está passando por algo parecido com a família de Ezra. A equivalência bastante reiterada cria uma sensação de artificialidade que acentua a inofensividade do filme.
Sobre os desempenhos do elenco, Jonah Hill e Lauren London simplesmente não convencem como casal. Entre eles inexiste aquilo que convencionamos chamar de “química”, ou seja, não há uma noção de que funcionem como dupla. Falta paixão nos momentos em que os dois estão juntos e o filme recorre ao puritanismo para reforçar a ideia de um amor sem tesão. Nas poucas cenas em que os dois se beijam é preciso muita imaginação para perceber o carinho do gesto. Já nas ainda mais raras cenas de cama, é como se colegas de quarto ficassem falando bobagens e sendo divertidamente infantis até ambos pegarem no sono. Sem intimidade. Ninguém aqui estava esperando tomadas acrobáticas de sexo ou afins, mas que a paixão entre os protagonistas fosse crível. Ainda assim, as principais atrações do elenco são Eddie Murphy (como o pai de Amira) e Julia Louis-Dreyfus (como a mãe de Ezra). Ele ótimo como o homem sisudo que faz questão de enxergar os defeitos possíveis no futuro genro. Ela também inicia bem como a mulher desesperada para parecer politicamente correta diante da futura nora. No entanto, ele está num registro bem diferente do que costuma utilizar para os seus personagens malandros, já ela está na mesma pegada de boa parte de suas personagens deliciosamente atrapalhadas. Pena que ambos sofrem do grande problema do filme: a repetição sem variação.
Em Certas Pessoas tudo é dito mais de uma vez e com entonações semelhantes. Está na cara que depois da tempestade virá a bonança, mas nem é a previsibilidade o maior dos seus problemas. O componente que emperra tanto as intenções cômicas quanto as reflexivas do enredo é a reincidência das abordagens e estratégias para supostamente fazer rir e ponderar. Quando até dois intérpretes tarimbados como Eddie Murphy e Julia Louis-Dreyfus se tornam reféns do “apenas uma piada estendida sem tantas variações” é sinal de que as coisas não vão tão bem quanto poderiam. Essa produção lançada no Brasil diretamente na Netflix observa superficialmente uma juventude urbana, hipercolorida e pós-adolescente, ora ridicularizando involuntariamente a sua falta de perspectivas e a dependência emocional dos pais, ora tentando mostra-la como empoderada num passe de mágica. Coadjuvantes com muito potencial, vide a melhor amiga de Ezra, Mo (a ótima Sam Jay), são completamente soterrados pela insistência nos mesmos tópicos a partir de abordagens parecidas que não permitem um recorte mais variado de personagens. E, se isso não bastasse, chega a ser ultrajante relegar um ator enorme como Elliott Gould a vaguear sem falas, levado a preencher o fundo de um par de cenas. Ele é um figurante de luxo. O saldo poderia ser bonitinho e “descolado”, mas é somente esquecível.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 3 |
Wallace Andrioli | 3 |
Daniel Oliveira | 6 |
Francisco Carbone | 4 |
Rodrigo de Oliveira | 7 |
Leonardo Ribeiro | 5 |
MÉDIA | 4.7 |
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