Crítica
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Sinopse
Talentosa médica que tem uma vida independente na cidade de São Paulo, Carmem toma contato com um grupo de moradores em situação de rua e posteriormente se descobre doente. Suas rotina então é modificada completamente.
Crítica
Se o cinema brasileiro parece perdido entre produções que seguem tendências duvidosas (dramas espíritas, retratos de violência) e comédias sem muito sentido, ao menos é um alento quando encontramos um cineasta que tenta fazer algo diferente e original. E Toni Venturi mostra em Estamos Juntos que ele pode ser acusado de tudo, menos de acomodado. Afinal, esta é uma obra com tantos méritos quanto defeitos, mas que se faz necessária dentro de uma cinematografia nacional porque sabe encarar seu pontos fracos com a mesma naturalidade que enaltece suas maiores virtudes, equilibrando o que lhe faz falta com elementos de primeira linha. E como resultado temos um trabalho maduro, que dialoga com o espectador de igual para igual, sem concessões ou maneirismos. E só por isso já merece créditos extras.
Um dos problemas de Estamos Juntos, no entanto, talvez seja a forma como está sendo vendido através de uma sinopse relapsa e equivocada. Afinal, “jovem médica e seu melhor amigo gay entram em conflito quando um músico argentino surge no caminho deles balançando o coração dos dois” só não é uma descrição mentirosa por detalhe. Tudo o que está descrito nessa frase está, de fato, no filme, mas este contém tanto mais que chega a ser risível esse reducionismo. É uma tentativa de enquadrar a obra como uma comédia romântica, como se fosse uma produto mais comercial e palatável. Não, pelo contrário. E é justamente por ter seus momentos difíceis e perturbadores que merece ser visto com maior atenção.
Leandra Leal, após desempenhos elogiados em filmes como Nome Próprio (2007) e O Homem que Copiava (2003), tem aqui uma de suas melhores performances na tela grande, refazendo com Cauã Reymond a mesma dupla já vista no ótimo Se Nada Mais Der Certo (2008). Ela é uma médica residente, solitária e introspectiva, que está prestes a enfrentar o maior desafio de sua vida: um câncer que evoluiu em tumor e poderá obstruir todos os seus planos futuros. A situação pela qual passa ganha um outro contorno ao nos depararmos com a figura de um misterioso rapaz que vive com ela. A atuação de Lee Taylor, séria e compenetrada, eleva o que vemos a uma esfera ainda mais crítica: seria sonho, alucinação, nostalgia, lembrança, memória ou fantasia? Estamos, de fato, todos juntos, independente do plano astral, ou tudo não passa de mera utopia?
Reymond, como o melhor amigo, acerta nos trejeitos mais femininos, sem escorregar no estereótipo forçado. Infelizmente, tem poucas chances de ir além do coadjuvante simpático, função que já desempenhou bem em longas como À Deriva (2009). Os dois personagens vieram do interior do Rio de Janeiro para tentarem a sorte em São Paulo, longe dos olhos de cobrança e vigilância dos familiares. Ao redor deles estão tanto o argentino vivido por Nazareno Casero, quanto a médica que ganha luzes na pele de Débora Duboc e a militante do Movimento dos Sem Teto defendida com garra por Dira Paes. Todos, no entanto, são desenhos meramente vislumbrados diante do drama enfrentado pela protagonista. Ela é o sol, os demais são meros planetas.
Estamos Juntos é um filme bonito de ser visto, com uma ótima fotografia (Lula Carvalho), trilha sonora extremamente adequada (BiD, de Chega de Saudade, 2007), uma direção de arte visivelmente realista (Renata Pinheiro), uma edição concisa e preocupada com um rumo a ser seguido, sem se perder em atalhos paralelos (cortesia de Márcio Hashimoto, de Quincas Berro D’Água, 2010) e um roteiro enxuto, dono de bons diálogos e inteligente em harmonizar os diversos mundos pelos quais transita (mérito de Hilton Lacerda). Tudo orquestrado por um Venturi superior aos seus dois longas anteriores (Latitude Zero, 2001, e Cabra-Cega, 2004). E isso não é pouca coisa.
Mesmo assim, há o que se lamentar. Na tentativa de fazer de São Paulo uma presença vívida e opressiva, os dilemas enfrentados pelos personagens acabam perdendo força – afinal, são apenas mais alguns dentre tantos milhares de outros iguais ou piores. O viés político da história também colabora para essa sensação, pois talvez seja o único momento em que a obra resvala no clichê e na previsibilidade. Mas nada que diminua o impacto que a experiência de assisti-lo proporciona. Estamos Juntos foi o grande vencedor do Cine PE – Festival do Audiovisual, levando 7 calungas, entre eles os de Melhor Filme, Direção, Atriz (Leal) e Prêmio da Crítica. Agora resta encontrar seu público, uma audiência inteligente que saiba valorizar esforços semelhantes. Missão cada vez mais difícil no cinema nacional, mas que com exemplos assim ganha um novo fôlego.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Alysson Oliveira | 6 |
MÉDIA | 6.5 |
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