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Sinopse

Matteo Scuro decide viajar pela Itália, visitando cada um de seus filhos, quando eles cancelam sua tradicional viagem para visita-lo. Esse servidor aposentado acaba descobrindo muito sobre si mesmo e a respeito de seus parentes.

Crítica

Em 7 de setembro de 1990, Estamos Todos Bem foi apresentado no Festival de Cinema de Toronto, no Canadá. As quase duas horas de projeção não significavam simplesmente o contínuo de uma carreira que há pouco se iniciara, mas ganhava o peso de um divisor de águas, da terceira e decisiva prova de talento. Dois anos depois de estrear como diretor em O Professor do Crime (1986), filme que passou do público e da crítica direto para o esquecimento, Giuseppe Tornatore se fez conhecer ressurgindo das cinzas com Cinema Paradiso (1988), clássico que conquistou vinte prêmios, incluindo o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1990. Na época de seu segundo filme, Tornatore tinha pouco mais de trinta anos e uma especulação saudável sobre seu futuro como diretor ganhou forma. Se as últimas impressões se confirmassem, nada o impediria de juntar-se futuramente a nomes como o de Luchino Visconti, Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e Federico Fellini, ícones do cinema italiano.

Em Estamos todos bem, o protagonista é Matteo Scuro (Marcello Mastroianni), que chegou na terceira idade viúvo, porém nada casmurro. De farta cabeleira grisalha e óculos espesso, sua simpatia se complementa pelo tom siciliano, incontido no falar das palavras e dos gestos, assim como na admiração irrestrita pela família. Símbolo do homem italiano tradicional, conservador e passional, Matteo resolve deixar a pacata vida na ilha após descobrir que os filhos não o visitariam no verão, como fazem anualmente. Decide, então, fazer-lhes uma visita surpresa, inconcebível que é, diz, desconhecer onde moram. Espalhados por toda Itália, Alvaro, Tosca, Canio, Norma e Guglielmo – nomes extraídos do apreço paterno por óperas – há muito não são as crianças que exigiam todo o cuidado enquanto brincavam à beira da praia. Cada um seguiu e construiu seu caminho. Vidas que antes eram uma só, pouco a pouco vão se desprendendo do enlace familiar, tornando-se independentes e com vida própria. Dispersos por Nápoli, Roma, Florença, Milão e Turim, as diferentes regiões pelas quais Scuro tem de passar para encontrar os filhos é uma forma – que se configura às vezes precipitada e outras vezes superficial – de tentar apresentar a Itália como um todo, país em vias de modernização algum tempo depois dos estragos da Segunda Guerra Mundial.

Com roteiro escrito por Tornatore, Massimo De Rita e Tonino Guerra, os dois últimos roteiristas experientes, Estamos todos bem sofre críticas pelo esquematismo como o filme se desenvolve. A história caminha bem até o segundo encontro, com Tosca. Antes, a busca sem resultados por Alvaro deixa uma dúvida produtiva, mas que, apesar de manter-se até o final do filme, não basta. A segunda visita é decisiva com relação aos demais encontros, pois a sistemática do filho que busca agradar ao pai mostrando-lhe somente seus sucessos se repetirá nas outras três situações e, infelizmente, em decrescente qualidade e despertando cada vez menos interesse. Entretanto, o problema maior de Tornatore não parece ser o de querer repetir as temáticas bem aceitas em Cinema Paradiso, como a transitoriedade e a impossibilidade de contenção do tempo, o sentimento de nostalgia ou perda que ronda a obra, mas de ousar amplificá-las em uma história que exige mais sensibilidade e acuidade e menos a descarga de emoções forçada, resultando em personagens de profundidade inexistente e conteúdo escasso, salvo Matteo, exceção sobrevivente às custas do talento de Mastroianni.

Se o problema mais grave é o de falhar justamente no eixo de qualquer bom filme, a saber, a veracidade das relações humanas, Estamos Todos Bem consegue transitar criticamente – e com bom humor – por temas delicados da sociedade italiana. A primeira situação com a qual Scuro se depara fora da Sicília, seu mundo, é a de um homem em cima de um prédio que, contrariamente ao que se poderia esperar, não ameaça pular, mas quebrar as inúmeras antenas de televisão pelas quais está cercado – ironicamente a "Silvio Berlusconi Communications" é uma das produtoras do filme . Logo mais, a cena na qual o funcionário da universidade revelada a ineficiência do sistema público segue na mesma corrente. Nem mesmo o humor infiltrado pode desagravar a situação de que, após procurar no computador, a única informação que se tem é a de que Alvaro exista, sem ao menos garantir que o empregado da universidade está de férias ou aposentado. De forma menos relaxada se dá a crítica contundente ao caricato mundo das passarelas, que obriga Tosca a autodenominar-se como modelo quando, na verdade, não passa de um "manequim humano" para propagandas de roupas íntimas, longe do glamour e da fama.

Seria injusto não enxergar em Tornatore qualidades. Contudo, estas tem mais a frequência de lampejos – bonitos, porém isolados – que a concatenação das grandes obras. Depois das belas sequências da câmera explorando os espaços abertos da Sicília e a partida do trem, a direção parece ter preferido o simplório – nao exatamente o simples. E afora a trilha de Ennio Morricone, parceiro desde Cinema Paradiso, nada impressiona. Aliás, com um final pouco inspirado, somente decepciona.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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