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Sinopse

Raimundo Nonato virou o chef dos chefs na prisão, encantando com seu talento culinário e lábia tanto o diretor do presídio quanto o veterano líder dos detentos. Até que um terceiro chefão, o mafioso italiano Dom Caroglio, chega para disputar o controle da penitenciária e o privilégio de ser servido pelo carismático cozinheiro.

Crítica

Estômago (2007), lançado nos cinemas há quase vinte anos, pode ter sido consagrado pelos críticos e imprensa especializada – ganhou o Prêmio Grande Otelo como Melhor Filme, foi premiado em festivais no Uruguai, em Portugal, na Espanha e na Inglaterra, e teve ao todo cinco indicações ao Prêmio Guarani, saindo vitorioso em três categorias – mas não chegou a ser um sucesso de público (teve menos de 100 mil espectadores durante sua passagem pelos cinemas, segundo dados da ANCINE). Portanto, somente o anúncio de uma continuação, ainda mais em se tratando de cinema brasileiro – em que a realização de sequências ainda não é tão comum – já causa surpresa. Estômago 2: O Poderoso Chef, porém, é um filme em cima do muro, que não se decide em ser uma proposta nova ou uma releitura do que havia sido visto antes. O que não se ocupa, e isso é fato, é em dar continuidade aos eventos do longa original. Tanto é que Raimundo Nonato – o esperto Alecrim, vivido por João Miguel – deixa sua condição de protagonista e se vê relegado nem mesmo a uma posição coadjuvante, mas quase como uma participação especial. Sua presença é forçada, como se o único objetivo fosse servir de ligação entre um título e outro. O que acaba acontecendo também com o conjunto num todo, em que nada é natural ou orgânico, mas imposto, sem o devido trato que a história merecia.

As atenções dessa vez se voltam para Nicola Siri, que aparece em dose dupla, como duas versões de um mesmo personagem: Roberto, um ator desempregado obrigado a voltar para a casa da mãe e a trabalhar na cozinha do restaurante que ela comanda, e Dom Caroglio, um legítimo mafioso que chega na prisão e ameaça tomar o poder até então nas mãos de Etecetera (Paulo Miklos, sempre uma figura interessante, ainda que apareça menos do que se poderia desejar). As duas tramas correm em paralelo, mesmo que logo fique claro se passarem em situações temporais distintas: a primeira, inteiramente ambientada na Itália, é passado; a segunda, já no Brasil, é presente. Como os eventos no exterior se desenvolverão até chegar ao que acontece por aqui é a chave de entendimento entre um ponto e outro. Não chega a ser um mistério, mas a partir do momento em que se percebe que Roberto e Dom Caroglio são a mesma pessoa, qualquer temor a respeito da segurança de um se desfaz, pois é sabido que ele não apenas sairá vivo de qualquer imbróglio aprontado, como ainda terá contas a pagar em um outro país.

Por se tratar de uma coprodução entre Brasil e Itália, era de se esperar que Estômago II: O Poderoso Chef explorasse mais as paisagens e cenários ambientados no Velho Continente, principalmente porque metade dos seus eventos por lá ocorrem. Não é o caso, no entanto. A maior parte destas cenas se passa em espaços fechados, seja no restaurante dele ou na casa de Valentina (Violante Placido, de Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança, 2011) e de sua família, os poderosos Galante, que dominam os negócios escusos da região. Roberto se apaixona por ela, mas com a morte do patriarca, uma disputa com o irmão a coloca no meio de um embate que, curiosamente, somente será resolvido por meio de uma intervenção... gastronômica, por assim dizer. Como se vê, é mais ou menos o que acontecia em Estômago, porém transposto para um outro contexto.

Se esta metade dos acontecimentos é quase um remake, portanto, na segunda os problemas se tornam mais evidentes. Dom Caroglio chega ao presídio gerando expectativas, ao lado de seus asseclas, e rapidamente deixa claro que as coisas ao seu redor devem funcionar ao seu gosto, e de ninguém mais. Só que quem mandava por ali até então era Etecetera, que não gostará de presenciar essa transição de poder. Mas o ponto final que fará o copo transbordar se dá quando Alecrim decide abandoná-lo em prol da nova ordem das forças, debandando-se para o lado dos recém-chegados. Essa mudança é que mais causa estranheza. Em momento algum fica claro o que faz a fidelidade do cozinheiro transitar de um para outro. A ligação com o diretor da prisão, que deveria ser essencial para essa compreensão, é ainda mais pontual, e não chega a oferecer os elementos necessários para um aguardado esclarecimento. A impressão é que estes existem apenas para desfrutar dos dotes culinários de Nonato. Uma habilidade que se antes havia lhe salvado a pele, agora o coloca no meio da confusão. Uma mudança de perspectiva que não chega a ser explorada, como também pouco oferece de diferencial à dinâmica que se estabelece entre os inimigos declarados.

No palco do Palácio dos Festivais, ao apresentar seu longa durante o Festival de Cinema de Gramado, Marcos Jorge declarou que este “não é um filme de diretor, mas de produtor”. No caso, a produtora Cláudia de Natividade, que deve ter percebido a atenção que o primeiro capítulo vem despertando nas redes sociais em uma nova geração, vindo daí a vontade de se realizar essa sequência. Fosse Jorge um cineasta disposto a correr riscos, como M. Night Shyamalan, por exemplo, esse segundo episódio seria mais bem sucedido caso se ocupasse apenas em explorar os eventos italianos entre os mafiosos, terminando sua ação com a chegada de Roberto/Caroglio ao encarceramento brasileiro e, num último instante, se deparando com Alecrim. Somente ali se perceberia que as duas histórias fariam parte de um mesmo universo – mais ou menos como o díptico Corpo Fechado (2000) e Fragmentado (2016) – preparando terreno, portanto, para uma trilogia. Infelizmente, era preciso declarar a ligação já no batismo. Assim, Estômago II: O Poderoso Chef tem muito do subtítulo e pouco da referência com o anterior. Sem o malandro brasileiro virando a mesa no último instante, o que sobra é barulho demais por algo que, no máximo, tem gosto de requentado.

Filme visto durante o 52º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2024

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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