Crítica
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Crítica
Bom cinema, em última instância, acontece quando se consegue prender o espectador diante do que ocorre na tela durante a projeção e, o mais importante, continua o acompanhando após o término da sessão, em seus pensamentos e ideias. Muitos filmes conseguem nos entreter razoavelmente, mas o mal mais comum é que os esqueçamos assim que os créditos finais se encerrem. São poucos os casos em que as imagens e as falas permanecem conosco por mais tempo, nos instigando, nos movendo, entranhando-se em nosso ser. Alcançar um acerto desses, ainda mais em sua primeira experiência, é digno de reconhecimento. Mas talvez seja mais surpreendente aquele que consegue repetir esse feito logo em seguida. Exatamente como fez Sam Mendes com o impressionante Estrada para Perdição.
Aclamado mundialmente em sua estreia com o oscarizado Beleza Americana (1999), Sam Mendes mostrou sua marca desde o início, entregando um longa intrigante e que fugia dos padrões convencionais, com um humor cínico, crítico e ousado. A história, defendida por personagens patéticos e, ainda assim, tão profundamente dramáticos, oferecia um desenrolar ao mesmo tempo cru e cruel. E assim, apontando o dedo para as feridas de uma sociedade capitalista e individualista, caiu nas graças da crítica e do público. O que fazer após tão retumbante começo?
Partir para um caminho totalmente oposto, numa primeira instância, parece ser o mais sensato. Mas abandonar aquela visão audaciosa, atrevida e densa certamente não seria uma boa opção. Portanto, que tal juntar essas duas direções num mesmo caminho? Pois foi o que o cineasta conseguiu em Estrada para Perdição, adaptação de uma história em quadrinhos (um gênero literário de raízes fortemente americanas) que, apesar disso, não discursa sobre super heróis ou tramas fantasiosas. Trata, sim, de temas bem mais sérios, como relacionamentos familiares, lealdade e honra. É a trajetória de um homem, um assassino da máfia irlandesa, em busca de vingança pela morte de sua esposa e de seu filho mais novo. Simples assim. Alguém que tudo perdeu e que, diante do nada, busca um conforto vazio e inútil. Mas isso era tudo o que tinha, e ele sabia disso.
Junto nessa jornada está o filho mais velho – que, involuntariamente, detona o estopim da tragédia ao presenciar um assassinato em massa executado pelo pai. O guri (Tyler Hoechlin, da série Teen Wolf, 2011) vira testemunha, e para protegê-lo este homem fará de tudo, até ir contra àqueles que sempre lhe estenderam a mão. Afinal, quando todas as luzes se apagam, as únicas que permanecem são as da nossa família. E esse é o valor fundamental de toda a história.
Michael Sullivam, o homem atrás de desforra, é vivido por Tom Hanks, pela primeira vez interpretando um bandido. Mesmo assim, não foi uma mudança radical, afinal seu vilão é, na verdade, um herói de bom coração, e todos seus atos violentos são justificados perante a simpatia que constrói junto ao público. Hanks está contido e, como sempre, competente em sua performance. Dentre os coadjuvantes, é interessante citar também o esforço de composição de Jude Law, que dá vida a um assassino de aluguel contratado para eliminar o protagonista. Law, dono de uma personalidade sempre em mutação, impressiona pelo andar curvado e pela visível calvície, conferindo ainda mais verossimilhança ao seu personagem, que só não rouba o filme para si por falta de uma maior abundância de bons momentos. O contrário do que ocorre com Paul Newman, merecidamente indicado ao Oscar por este desempenho. Nesta que foi sua performance derradeira, o astro mostra mais uma vez porque foi um dos melhores atores de todos os tempos. Como o chefão John Rooney, Newman domina totalmente a cena a cada aparição, obscurecendo todos ao seu redor, criando um dos mafiosos mais impiedosos e simpáticos já vistos na tela. Vale, como curiosidade, apontar para a pequena participação de Daniel Craig, em um dos seus primeiros filmes em Hollywood, dando início a uma parceria com o diretor que, anos depois, resultaria no bem sucedido 007: Operação Skyfall (2012).
E muito mais pode – e deve – ser aplaudido. Seja a fotografia lúgubre e estilizada de Conrad Hall – vencedora do Oscar – ou a trilha pontual e soturna de Thomas Newman, passando pelo amarrado roteiro de David Self, todos os elementos necessários estão dispostos de modo a favorecer o sucesso deste projeto. Belas imagens, uma música envolvente e cúmplice, e uma trama inteligente e sem muitas concessões. Sam Mendes pode, eventualmente, ser acusado de se estender algumas passagens um pouco além da conta, denotando a falta de um ritmo mais apurado, ou de assumir uma posição exageradamente contemplativa quando as situações exigiam um envolvimento mais ativo. Mas estas são questões que podem ser perdoadas diante do resultado alcançado. A trilha escolhida leva a um ponto de salvação, seja referente ao autor cinematográfico em formação, ou aos espectadores em busca de algo além da mediocridade. Estrada para Perdição é um exercício memorável e, acima de tudo, uma obra de arte para ser apreciada com admiração e inteligência.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 8 |
Chico Fireman | 6 |
Thomas Boeira | 8 |
Matheus Bonez | 8 |
Bianca Zasso | 7 |
MÉDIA | 7.4 |
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