Crítica


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Onde Assistir

Sinopse

Road movie que passa por Peru, Buenos Aires, São Tomé das Letras, Recife e São Paulo, mas sem destino definido. Registra o estilo de vida dos que vivem livres no mundo, nômades no sub-continente da América Latina.

Crítica

Estradeiros, desde os primeiros momentos, mostra as suas verdadeiras intenções. Trata-se de um filme preocupado com a intangibilidade, que seja, com certa espiritualidade ligada ao ímpeto nômade de pessoas por uma América Latina repleta de ancestralidade. Mesclando criações poéticas, enquadramentos invertidos e deambulações por diversos cenários, os cineastas Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro fazem um retrato poroso, nem sempre consistente, desses irmanados pela necessidade de deslocar-se, de aprender coisas em contato com culturas e povos diferentes. Demonstrando um obsessão sobressalente pelas texturas da terra, da água, bem como pela associação poética entre as geografias internas e externas, o filme transcorre num ritmo bastante cansativo, ocasionalmente apresentando expedientes instigantes, de vez em quando extraindo da fala dos depoentes algo para além da pura e simples elucubração. Exatamente para fugir ao propósito didático e privilegiar o lírico, a dupla investe no imaterial.

Certos procedimentos são bem-vindos como componentes do substrato narrativo. Exemplo disso, a indeterminação dos locais pelos quais a câmera passa. Salvo em instantes de exceção, em que os viajantes comentam particularidades locais, geralmente não sabemos com precisão em que espaço latino-americano a cena e a ação se dão. Isso cria um senso de unidade curioso, como se a impermanência dos homens e mulheres e essa indisposição com as convenções sociais fossem responsáveis pelo apagamento das fronteiras. Sem uma considerável vocação investigativa e/ou informativa, o documentário se atém à captura das atmosferas ligadas ao estilo de vida solitário ou de famílias inteiras. Os realizadores também não fazem questão de nominar os depoentes, corroborando esse asco dos compromissos sociais. Estradeiros é uma claudicante ode à liberdade, oscilando entre a veia puramente observacional e a equivalente ensaística. O resultado é desigual, pontualmente contundente.

No que tange à estrutura de Estradeiros, ela segue, mais ou menos, um itinerário-base. Aos registros de uma natureza rústica, seguem-se imagens dos personagens à distância, falas que deflagram pensamentos diametralmente opostos ao da corrente dominante, e um arremate poético, basicamente composto de tentativas. Por meio da inventiva fotografia de Pedro Urano, se busca deflagrar uma esfera abstrata. A recorrência desse encadeamento sem tantas variações se encarrega de instaurar uma crescente sensação de repetição contraproducente. Bons potenciais são desperdiçados, como a constituição grupal ao largo dos protocolos, que poderia ser mais bem observada como uma instância de resistência que atravessa gerações. Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro se aproximam dos transeuntes, praticamente fazendo do dispositivo um personagem totalmente integrado às realidades alternativas à beira da estrada. Justo por isso, é lamentável que a naturalidade obtida seja preterida em função da solenidade e de uma afetação.

Estradeiros se debruça sobre um modo de vida calcado na simplicidade, num cotidiano franciscano em que a felicidade é medida pelo nível de aprendizado e autonomia. Partindo dessa observação, a abordagem de Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro desse universo despojado, alternativo por natureza e princípios, é destoante, pois sobrecarregada pela necessidade constante de extrair lirismo por meio dos artifícios cinematográficos. Os cineastas não encaram as realidades frontalmente, extraindo das instâncias da criação aquilo que a convivência provavelmente não lhes trouxe. É absolutamente genuína a forma como eles instrumentalizam o enquadramento, a montagem – vide as sobreposições, por exemplo –, a trilha sonora, entre outras ferramentas, para pintar um quadro distante do literal, remontando, sobretudo imageticamente, à herança que nos conjuga. Contudo, a valorização dos retratados passa, aqui, por uma estilização pouco conectada com o seu modo de caminhar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
5
Edu Fernandes
7
MÉDIA
6

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