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Crítica


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Sinopse

Um pacote que foi entregue no endereço errado. Esse foi o início para uma obsessão. Jimi, quem recebeu a encomenda por engano, é vizinho da destinatária correta. Por isso, passa a tentar, incansavelmente, deixar o pacote nas mãos de quem deveria recebê-lo, mas nunca encontra a senhora em casa. Pouco a pouco, a intenção de Jimi começa a se tornar algo mais preocupante do que simplesmente entregar o objeto à sua real proprietária.

Crítica

Jimi (Cédric Luvuezo) recebe por engano um pacote. A destinatária é moradora do bloco vizinho. Ele, então, se dispõe a fazer a caixa chegar à real proprietária. Esse é o protagonista de Étangs Noirs, jovem que encontra resistência frente à desconfiança generalizada. O senhor a quem recorre com a intenção de completar sua tarefa lhe é hostil, assim respondendo à tendente cessão de terreno ao medo e ao ato de se ensimesmar para isolar possíveis ameaças. Todavia, os cineastas Timeau De Keyser e Pieter Dumoulin não oxigenam a narrativa, fundamentando-a quase exclusivamente numa jornada que gradativamente adquire contornos de despropósito. Cada porta batida oferece uma negativa, as pessoas pendem a se esquivar até mesmo das pequenas responsabilidades que não digam estritamente respeito a elas próprias, ao contrário do rapaz que enfrenta um caminho longo, colecionando pistas, vencendo pequenos obstáculos para cumprir a missão.

Se entendida como obstinação motivada por forte senso ético, Étangs Noirs se aproxima de Onde Fica a Casa do Meu Amigo (1987), no qual um menino precisa descobrir o endereço de um colega a fim de devolver-lhe o caderno para, assim, evitar a repreensão do professor. Todavia, diferente do filme de Abbas Kiarostami, que qualifica o protagonista como verdadeiramente imbuído de precoce senso de dever, este longa-metragem logo esgota suas bases, permanecendo em círculos de desdobramentos parecidos. As deambulações de Jimi pelo conjunto habitacional, sintomaticamente apinhado de imigrantes, oferece um painel simplório dessa geografia, por exemplo, passando batido por tensões oriundas efetivamente da presença massiva de expatriados. A conduta do entregador de ocasião vai perdendo contato com a cotidianidade expressada pela linguagem que vampiriza do documentário seus procedimentos basilares, especialmente quanto à da imagem pulsante.

Geralmente colando a câmera em Jimi, inserindo-o, como dispositivo da encenação, em ocasiões reais, vide os deslocamentos pelas estações de metrô, Timeau De Keyser e Pieter Dumoulin criam uma fricção com a vida que pulsa nas bordas dessa centralização. O problema maior de Étangs Noirs, algo que determina a dificuldade de aderência, especialmente da metade em diante, é a sensação de estagnação contradita pela inquietude do percurso. Ainda que o personagem perambule demonstrando o peso simbólico e crescente de não lograr êxito numa atividade supostamente trivial, pouco efetivamente se desenvolve na camada reservada aos subtextos e afins. Aliás, na medida em que avança, o enredo é entrecortado por ocorrências beirando o descabido, como o “futebol” dos desconhecidos com a caixa que acabaram de encontrar abandonada embaixo de uma mesa e a desajeitada hesitação diante da mulher que Jimi procura sem ao menos conhecer o rosto.

A forma como os cineastas perscrutam o protagonista, de perto, almejando os mistérios dessa figura sobre a qual praticamente nada se sabe, confere a Cédric Luvuezo um terreno amplo, bem aproveitado naquilo que concerne à demonstração da exasperação. Ele parece atuar, paradoxalmente, deslocado da realidade a qual pertence intimamente. Embora não seja apartado da paisagem humana, pelo contrário, uma vez que essa conexão soa orgânica, o privilégio de seu rosto na delineação do itinerário imagético acaba conferindo a ele um status de solista. É como se tudo de mais importante em Etangs Noirs estivesse contido no semblante oscilante desse sujeito cujas preocupações comezinhas, sabe-se lá por quais motivos, absorve sintomas de uma moléstia social. Infelizmente Timeau De Keyser e Pieter Dumoulin focam no movimento, relegando porquês e estofos a um plano bastante intermediário, apostando numa rarefação sem bases sólidas para consolidar-se.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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