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Sinopse

Dell e Kimberly se conhecem durante a passagem de um cometa. É então que sua história, a partir daquele instante, se desdobra através de idas e vindas no tempo, em um espaço de seis anos de um relacionamento intenso e conturbado, diferenciado por sentimentos e paletas de cores.

Crítica

Eu Estava Justamente Pensando em Você é um filme que faria o sociólogo Zygmunt Bauman sorrir com o canto da boca. E é bom que falemos nisso, já que é o canto dos enquadramentos que o diretor estreante no cinema, Sam Esmeil, constantemente reserva para os dois protagonistas. Assim como eles mesmos têm problemas em encontrar uma segurança dentro do relacionamento que dividem um com o outro, é natural que raramente consigam encontrar também o centro do quadro – e o cineasta se mostra particularmente ciente da sua linguagem quando “convida” os seus personagens a se posicionarem no meio da tela apenas em momentos em que há certezas sobre o que está acontecendo entre eles, seja sobre um sentimento bom ou um ruim.

O que me leva de volta a Bauman, autor de Amor Líquido – entre outros tantos. O escritor reconheceria em tela nessa ilustração um reflexo dos seus escritos. As relações não são mais estáveis. Um mundo inteiro baseado em redes sociais e comunicações virtuais enfraqueceu os laços humanos e há uma insegurança constante em todos os relacionamentos. É isso que ele vai chamar de liquidez, uma alta maleabilidade no tecido social causada justamente pela falta de rigidez das conexões entre os indivíduos. Uma insegurança facilmente transmitida ao espectador pelo novato diretor, que com a lógica visual citada acima, também cria a impressão nervosa de que os atores estão prestes a sair de quadro o tempo inteiro. E não por acaso, Esmail vai mergulhar quase todo o seu filme em uma fotografia tratada que remete diretamente a algo onírico e solúvel, além de incluir ruídos visuais, como se fossem falhas na projeção, que servem de transições aqui, ou que apenas interrompem um momento ali. O que somado a falta de linearidade da montagem, causam enorme desconforto sobre o rumo que a história de Dell (Justin Long) e Kimberly (Emmy Rossum) vai tomar – conflito recorrente entre os dois.

O filme nos leva a acompanhar momentos isolados do relacionamento do casal principal, que se desenrolam paralelamente na montagem; o dia em que se conhecem, um viagem a Paris, uma briga pelo telefone, um encontro em um trem e uma visita casual. A partir deles, conhecemos os altos e baixos do seu namoro, quem são e como se sentem. Inseguros, sim, mas por serem extremamente racionais. Nesse ponto, Dell e Kim são reflexos também de outro aspecto da cultura moderna: o ceticismo. Abandonando qualquer tipo de pieguices, os dois firmam namoro através de um acordo fechado com um aperto de mãos, quase como dois cientistas propondo um experimento de laboratório o fariam. Então é adequado que acompanhemos apenas amostras laboratoriais da sua relação, as quais Sam Esmail, já tendo mostrado o cuidado no arco do filme como um todo na abordagem explicada antes, ainda vai tratar individualmente com um olhar diferenciado para cada uma delas.

Se o dia ensolarado e a noite colorida do primeiro encontro dos dois reafirmam seu estado de leveza, o quarto frio e azulado em Paris vai indicar um momento mais melancólico, assim como a luz filtrada pelas cortinas durante a visita casual exprime uma atmosfera ainda mais irreal. Sem contar que o realizador e seu montador constantemente inserem projeções de paisagens ou de imagens rápidas surgindo do lado de fora das janelas, como se o mundo fora daquelas lembranças não tivesse sido registrado, e assim sendo instável e imaginado. Do mesmo modo, o diretor brinca com certos elementos, como um livro que apresenta letras aleatórias, já que o personagem certamente não lembraria do que estava escrito, ou colocando um enorme banner de um astronauta em uma parede, que duvido que tenha realmente estado lá, uma vez que deve ser apenas o símbolo da presença opressora de uma outra figura, que na trama está ligada a MTV – cujo homem na lua fez parte da sua famosa primeira transmissão. E mesmo dentro de toda a sua investida de narrativa visual, Esmail consegue espaço para criar planos de beleza singular, e destaco especialmente aqueles que figuram os dois na porta de um trem, tendo uma imagem do espaço sideral de fundo, e aquele outro que os traz em um terraço com dois sóis nascendo ao fundo.

Não fosse o suficiente, Dell e Kim são donos de falas rápidas e racionais – escritas por Esmail também -, que revestem ainda a interação entre eles com uma divertida imprevisibilidade, já que não seguem o esquema emocional previsto por um histórico de numerosos romances. Uma investida que seria em vão se Justin Long e Emmy Rossum não convencessem, estranhamente, com uma falta de química proposital. Resultados de uma argumentação quase matemática acerca da existência de amor, em meados do longa-metragem quase nem soa mais estranho quando ele propõe a ela que abandone o namorado para entrar em um relacionamento com ele, expondo os pontos positivos disso, mesmo que a racionalidade de ambos seja consequência do seu equilíbrio emocional – ou da falta dele. Na soma final, o filme é uma mistura esquisita, mas muito interessante, de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004) e 500 Dias com Ela (2009). Desde já, Sam Esmail é autor para se ter no radar.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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